quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Pragmatismo atrai diplomacia para Moçambique

Por PAULO DA CONCEIÇÃO
Maputo, Quinta-Feira, 26 de Novembro de 2009:: Jornal Notícias

O PRAGMASTISMO na condução da diplomacia tem sido determinante para o prestígio que Moçambique goza internacionalmente e, em particular, na região da SADC, no que respeita à resolução de conflitos. Como consequência, o país tem sido escolhido não só para integrar diversas missões de paz, como também para sede de resolução de conflitos, como ilustram os casos de Madagáscar e Zimbabwe.

No caso zimbabweano, a Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC) indicou como seu mediador o antigo presidente sul-africano Thabo Mbeki.

Apesar de Mbeki ter encontrado dificuldades para conduzir o processo negocial para solucionar a crise do Zimbabwe, por ter sido acusado por Morgan Tsvangirai, líder do MDC (Movimento para Mudança Diplomática) e uma das partes do conflito, de parcial na sua mediação, o antigo estadista sul-africano conseguiu que a 15 de Setembro de 2008 o MDC e a ZANU-PF (União Nacional Africana do Zimbabwe – Frente Popular) assinassem um Acordo Político Global (GPA).

Todavia, em Outubro último, Morgan Tsvangirai anunciou a retirada dos membros do Governo indicados pelo seu partido, acusando o Presidente Robert Mugabe de não cumprir com diversos pontos do acordo geral para a criação do Governo de unidade.

A decisão de Tsvangirai foi tomada após a detenção do indicado a vice-ministro da Agricultura proposto pelo MDC, Roy Benneth, um antigo fazendeiro, sob acusação de sabotagem e terrorismo.

Estas tensões “desviaram a rota das negociações” para a capital moçambicana, que teve que acolher no início do corrente mês de Novembro uma reunião da “troika” do órgão de Defesa e Segurança da SADC (que inclui Moçambique, Zâmbia e Suazilândia), liderada pelo Presidente moçambicano, Armando Guebuza, para discutir a crise política no Zimbabwe.

A “Cimeira de Maputo” culminou em tempo recorde (one day meeting) com um acordo no qual o MDC se comprometia a levantar o boicote, mediante a promessa do cumprimento do GPA pela ZANU – FP do Presidente Robert Mugabe.

A capital moçambicana foi igualmente escolhida para sede de negociações diplomáticas que visam solucionar a crise que eclodiu em Dezembro de 2008 em Madagáscar.

Também em Maputo foi conseguido um compromisso entre as partes malgaxes, para a realização de uma transição neutra, inclusiva, pacífica e consensual que vai preparar as eleições nas quais o povo terá a oportunidade de escolher os seus legítimos representantes.

As negociações de Maputo ocorreram depois de o Rei Mswati III, da Suazilândia, na qualidade de Presidente do órgão de Política, Defesa e Segurança da SADC, ter nomeado o antigo Presidente moçambicano, Joaquim Chissano, para mediar o conflito em Madagáscar.

Joaquim Chissano contou com o apoio de outros quadros da região como são os casos do ex-ministro dos Negócios Estrangeiros moçambicano Leonardo Simão, o ex-primeiro-ministro do reino da Suazilândia Thamba Dlamini e o antigo ministro da Segurança da África do Sul Charles Nqakula, e com o beneplácito do Secretário Executivo da SADC, Tomaz Salomão, entre outras organizações interessadas na resolução do conflito.

Segundo analistas, o acordo foi um mérito para a diplomacia moçambicana, pois não se acreditava que em cerca de quatro dias fosse possível aproximar posições entre políticos profundamente marcados por décadas de divisão, ódio, rancor e sem cultura de diálogo.


RAZÕES DO SUCESSO

Analistas de Relações Internacionais contactados pelo “Notícias” explicam o sucesso da diplomacia moçambicana com um pragmatismo que está intrinsecamente ligado ao facto de o país ter uma política externa que pauta pelo princípio de defesa e primazia da solução negociada dos conflitos, para além de ter lideranças que gozam de prestígio internacional.

“Por exemplo, na defesa do interesse de Moçambique neste sentido estratégico e pragmático, nos aproximamos da Indonésia num momento crucial para os nossos aliados timorenses. Naquela altura fomos mal percebidos, mas é este pragmatismo que nos fez sentir que temos que estar próximos do inimigo do nosso amigo para melhor persuadi-lo. Também fomos mal percebidos quando rubricámos o Acordo de N’komati com o regime do apartheid, mas aquilo foi um pragmatismo muito sério para preservar o interesse nacional”, disse Calton Cadeado, investigador do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CEEI).

A qualidade dos negociadores moçambicanos, reconhecida internacionalmente, também tem jogado a favor da diplomacia moçambicana. O antigo presidente da República, Joaquim Chissano, é frequentemente chamado para representar organismos como as Nações Unidas para actuar como enviado ou negociador.

A procura internacional por Joaquim Chissano – com um palmarés inquestionável nas lides de mediação de conflitos internacionais, não simplesmente pelos números de casos em que esteve envolvido, mas sobretudo pelos resultados alcançados - muito se deve aos métodos por ele primados e que assentam na criação de espaços para que todas as partes de um determinado conflito se sintam equilibradas e com espaço negocial.

Ao actual Chefe do Estado, Armando Guebuza, é também reconhecido o mérito de ter participado no processo de negociação de paz em Roma, Itália, e de ter mantido a continuidade da diplomacia do seu antecessor.

“Não podemos dizer que houve uma ruptura na essência da diplomacia do presidente Chissano com a do Presidente Guebuza. Agora, cada um tem a sua forma de exercer, mas em termos de filosofia parece-me que há muito de semelhante”, disse Calton Cadeado.

Para Edson Muirazeque, docente do Instituto Superior de Relações Internacionais (ISRI), existe uma lógica na continuidade que o actual Chefe do Estado, Armando Guebuza, faz da política externa que era seguida por Joaquim Chissano.

“Penso que não há razões para haver ruptura, porque estamos a falar de líderes que pertencem a um mesmo partido, a Frelimo. Sendo assim, é lógico que os aspectos positivos que foram construídos ao longo da liderança do anterior chefe do Estado sejam continuados e até melhorados. É de facto visível que a política externa moçambicana continua a ser forte como era na anterior liderança”, afirmou Muirazeque.

APETÊNCIA PELO PAÍS

A apetência por Moçambique na busca de soluções de crises pelas partes envolvidas em conflitos também tem a ver com o percurso do próprio país. Depois de um processo negocial que colocou fim a 16 anos de conflito armado, o país não mais retornou à guerra.

“Esse é um dos elementos que faz com que todo o mundo tenha Moçambique como local de referência para se negociar soluções para conflitos, pois aqui existe uma estabilidade política e o povo não quer mais voltar à guerra”, disse Edson Muirazeque.

O docente do ISRI acrescentou que os sucessos que Moçambique tem tido a nível do desenvolvimento económico também têm contribuído para o prestígio que o país goza externamente.

“Todos esses elementos vão contribuindo para que se olhe para Moçambique como um país em que de facto se pode apostar para solicitar o apoio com vista à resolução de problemas em determinados países”, realçou Muirazeque.

Maputo acolheu encontro sobre crise no Zimbabwe
Maputo acolheu encontro sobre crise no Zimbabwe

INTERESSE NACIONAL EM JOGO

A ESTRATÉGIA diplomática de Moçambique não pode ser dissociada dos princípios orientadores da sua política externa, que têm como objectivo último a prossecução do seu interesse nacional. Nos casos vertentes da mediação das crises no Zimbabwe e Madagáscar, o interesse nacional seria a defesa e promoção do prestígio que o país goza internacionalmente.

Para um melhor entendimento da questão, convém fazer uma distinção entre diplomacia e política externa - a primeira é uma dimensão da segunda. A política externa é o conjunto de objectivos políticos que um determinado Estado almeja alcançar nas suas relações com os demais países. Ela é definida em última análise pela Chefia de Governo de um país ou pela alta autoridade política de um sujeito de direito internacional; já a diplomacia pode ser entendida como uma ferramenta dedicada a planejar e executar a política externa, por meio da actuação de diplomatas.

Para o investigador Calton Cadeado, na análise do interesse nacional, “para além da Defesa e Segurança e da questão de promover o desenvolvimento económico e social também pesa muito a questão da defesa e promoção do prestígio internacional”.

Edson Muirazeque também destaca, nesta questão da promoção do prestígio internacional, o facto diplomacia moçambicana ter-se envolvido na busca de soluções para vários conflitos internacionais.

“Na época do apartheid, viu-se que Moçambique, presidido por Samora Machel, foi um dos países que muito pressionou, no âmbito dos países da Linha da Frente, para que fossem erradicadas as políticas raciais discriminatórias daquele país. Mesmo na altura do conflito armado em Moçambique, fomos albergando vários povos da região como, por exemplo, os militantes do ANC, da África do Sul, bem como de outros países”, disse Muirazeque.

O docente do ISRI destaca ainda o facto de Moçambique estar a participar em várias missões de manutenção de paz.

“Já estivemos na Região dos Grandes Lagos (Burundi) e temos estado em muitas frentes internacionais de resolução de conflitos”, afirmou Edson Muirazeque.

PROBLEMAS AFRICANOS SOLUÇÕES AFRICANAS

O envolvimento de Moçambique na busca de soluções pacíficas para as crises no Zimbabwe e Madagáscar também deve ser enquadrado num esforço de fazer valer o princípio de que os problemas africanos têm que ser resolvidos pelos próprios africanos.

Todavia, o investigador Calton Cadeado alerta para o facto de este princípio não vedar a participação de outras partes-chave para a solução das crises.

“Acho que o que pesou mais na escolha de Moçambique para palco da resolução de conflitos no Zimbabwe e Madagáscar é também o princípio de soluções africanas para problemas africanos e o nosso país goza de um prestígio e imparcialidade que conferem maior conforto às partes em crise para poderem se deslocar para aqui”, disse Cadeado. O investigador acrescentou que “o princípio de ‘problemas africanos – soluções africanas, não quer dizer que não devemos contar com a participação dos outros, porque também no caso do conflito em Moçambique a sua resolução contou com a colaboração de países não africanos”.

Edson Muirazeque (C. Bila)
Edson Muirazeque (C. Bila)

GANHOS DO SILÊNCIO

Não raras vezes têm surgido críticas sobre o facto silêncio caracterizar a actuação da diplomacia moçambicana na resolução de conflitos internacionais. Os investigadores entrevistados pelo “Notícias” defendem esta forma de agir considerando-a pragmática.

“Este conceito de diplomacia silenciosa muitas vezes surge porque não há muito espaço de abertura para colocar os assuntos na mediatização como tem acontecido noutros casos. Moçambique não aposta muito no mediatismo e há muitos ganhos que foram conseguidos pela nossa diplomacia ao agir dessa maneira”, disse Calton Cadeado.

O investigador do CEEI acrescenta que “no passado já tivemos uma diplomacia de megafone, quando foi para divulgarmos a causa dos nossos irmãos e amigos do ANC, da África do Sul, e quando foi para fazer barulho em relação ao regime de Ian Smith, na Rodésia do Sul”.

“Isso também aconteceu com as questões da Namíbia e Timor-leste. Foi uma diplomacia de barulho, mas com muito pragmatismo. Hoje já temos mais experiência para poder dizer que conseguimos combinar diferentes formas de fazer a diplomacia e em função dos contextos. Mas, mais do que isso, o pragmatismo é que foi o ponto assente no sentido de fazer mais amigos do que inimigos e de tentar fazer de Moçambique um exemplo a transmitir aos outros países”, afirmou Calton Cadeado.

Edson Muirazeque também defende a diplomacia silenciosa, afirmando que ela é normalmente usada em processos negociais complexos e em tempo de crise.

Estamos a falar de negociações em situação de conflito. Trata-se de uma situação extremamente complexa onde há questões sensíveis que não podem vir a público antes de o processo chegar ao fim. Repare que estamos a falar de crises em que ainda há aspectos antagónicos e aparentemente irreconciliáveis entre as partes”, disse Muirazeque.

O docente do ISRI, acrescentou que acredita que os diplomatas envolvidos nesse tipo de processos negociais “pesam e vêem o que é que deve ser tornado público, porque de contrário o próprio processo pode ficar prejudicado”.

“O que acontece é que a Imprensa quer estar sempre informada e é legítimo que ela queira estar sempre em cima dos acontecimentos. Como é que podemos dizer que a diplomacia silenciosa é não acção, quando esta mesma diplomacia silenciosa levou-nos à assinatura deste acordo de partilha de poder no Zimbabwe?”, questionou Muirazeque.

A fonte acrescentou que o que se pretende com a chamada diplomacia silenciosa é deixar que os próprios actores de uma determinada contenda se entendam.

“Isso quer dizer que os mediadores ou os que estão para ajudar não devem interferir no processo, porque mais do que os mediadores, quem de facto conhece o problema e quem tem a melhor solução são os próprios donos do conflito”, disse Muirazeque.

O docente do ISRI afirmou ainda que não se pode confundir a diplomacia silenciosa com o conceito de diplomacia secreta, dado que esta última busca soluções que não são benéficas e que podem conduzir ao conflito ou à guerra.

Aliás, no seu primeiro dos 14 pontos, apresentados no dia 8 de Janeiro de 1918 ao Congresso dos EUA, o Presidente norte-americano Thomas Woodrow Wilson, defendia o fim da diplomacia secreta, ao afirmar a necessidade de se “inaugurar pactos de paz, depois dos quais não deverá haver acordos diplomáticos secretos, mas sim diplomacia franca e sob os olhos públicos”.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Governos e Terroristas

Unidos Numa Conspiração para “Oprimir” o Povo!?

Por Edson Muirazeque

Quando ouvimos falar de governos e terroristas apercebemo-nos logo, pelo seu significado, que são duas palavras completamente opostas e contraditórias. No entanto, uma análise um pouco atenta aos efeitos de algumas acções destes dois pode induzir-nos a pensar que têm um acordo tácito para “oprimir” o povo. Analisemos os efeitos das sanções económicas e do terrorismo, para podermos perceber o porquê do título deste artigo. Comecemos pelas acções dos terroristas.

O terrorismo é um termo complexo e controverso. Possui várias definições, mas para o presente artigo vamos assumi-lo como sendo o uso da violência contra civis inocentes ou governos com o propósito de criar medo e forçar mudanças políticas ou sociais. Com as suas acções os terroristas esperam que a opinião pública pressione o governo a mudar de comportamento para satisfazer suas exigências. Seus fins são eminentemente políticos. Mas o que acontece é que os governos, na maior parte das vezes, não cedem às chantagens dos terroristas; podem até tornar-se mais legítimos na guerra contra o terrorismo. Quem se encontra no fogo cruzado e a sofrer é o povo que é usado como instrumento de luta entre governos e terroristas.

Do outro lado, encontramos certos governos, ocidentais na sua maioria, que também agem com a intenção de “intimidar” e “chantagear” outros governos. Usam a mesma premissa terrorista segundo a qual “oprimindo o povo este vai se revoltar contra o seu governo para que este mude seu comportamento em relação a determinadas políticas”. Estamos a falar de sanções económicas que foram tanto usadas durante a guerra-fria, e ainda hoje continuam a ser usadas, mas que na realidade pouco efeito criam para o que se pretende alcançar. As sanções económicas são “acções deliberadas do governo para infligir privação económica ao Estado ou sociedade alvo, através da limitação ou cessação de relações económicas costumeiras”. A sanção económica é um instrumento usado na política externa com os seguintes objectivos: forçar o alvo a alterar seu comportamento para se conformar às preferências do sancionador, derrubar os líderes ou regimes alvos, intimidar actores internacionais para não tomar certos comportamentos.

Apesar de ser um instrumento preferido na política externa de certos Estados, as evidências mostram que, a maior parte das vezes (se alguma), as sanções económicas não produzem o efeito desejado. O facto é que não há uma relação íntima entre privação económica e o desejo político de mudar. Elas podem até criar um sentimento de nacionalismo ao povo “oprimido”. O governo pode se tornar mais legítimo, no sentido de que quem é visto como causador da dor sofrida é o sancionador. E mais, os próprios Estados que concordam em aplicar sanções contra um determinado Estado não chegam a aplicá-las efectivamente, ou seja, continuam a se relacionar “secretamente” com o Estado sancionado.

Mais uma vez o povo é “oprimido” numa contenda que envolve agendas políticas. Numa situação em que se deseja a mudança de comportamento de certos governos, quem sofre mais é o povo. Tanto no caso dos terroristas como no das sanções económicas os governos visados continuam “inabaláveis”, apesar de poderem sofrer um ligeiro abanão. Mas, em ambos os casos, o povo, aquele sobre o qual deve residir a soberania, morre ou fica privado de satisfazer as suas necessidades básicas. Surge então uma questão: porquê insistir nas sanções económicas se estas só prejudicam o povo e tornam os governos visados mais intransigentes?

Estamos a assistir hoje um desastre económico no Zimbabwé, resultante de vários factores internos mas agravado pelas sanções impostas pelo ocidente. Como resultado, o povo sofre e por muito tempo o governo endureceu mais a sua posição e, aquando das eleições de 2008, assistiu-se a violações de direitos humanos. Na Palestina, quando o povo elegeu democraicamente o Hamas, o governo deste movimente ficou sob sanções mas quem se ressentiu foi o povo. O regime cubano é um caso “secular” que se encontra sob sanções mas que mesmo assim não cede a pressões externas, e parece que o regime tem legitimidade interna.

No dia 01/10/09 o sítio do Canal de Moçambique na Internet noticiava que a denominada Plataforma Territorial dos Partidos Políticos Extra-parlamentares apela à Comunidade Internacional para que aplique sanções económicas contra o Estado moçambicano. Será que esta Plataforma espera que com as sanções económicas haverá um efeito contrário ao que aconteceu em vários outros casos? A Plataforma acredita mesmo que este tipo de pressão irá beneficiar o povo? Ou é uma mera manobra para ganhar “pontos” políticos! Senhores líderes de partidos políticos, não entrem no “acordo tácito” ao qual nos referimos neste artigo. Não sejam os senhores os primeiros a agitarem os governos a oprimirem o povo. Está quase provado que as sanções económicas não são eficazes, porquê continuar a decretá-las? Porquê agitar os doadores a decretarem sanções contra o vosso próprio povo?

Tendo a experiência mostrado que as sanções económicas não são eficazes para alcançar o objectivo pretendido, surge então uma série de questões que pode servir de objecto de reflexão para todos aqueles que directa ou indirectamente estão envolvidos no assunto, ou então aqueles que se interessam pelo assunto. Quem é o alvo das sanções económicas? O governo ou o povo? O objectivo é fazer com que o governo mude de comportamento ou é uma atitude deliberada para “dizimar” certos povos?

Só para terminar. Não há nenhuma conspiração, pelo menos que se conheça, dos governos e terroristas para oprimir o povo. O que há são estranhas coincidências. Ou seja, o terrorismo e as sanções económicas têm a mesma finalidade: a de forçar a mudança de comportamento por parte de um governo. Estranhamente, tanto os terroristas como os governos, para o alcance de seus objectivos levam a cabo acções que usam o povo como escudo. Em ambos casos os governos sobrevivem e o povo inocente morre ou fica privado de satisfazer suas necessidades básicas.

Emendas Constitucionais

Interminável Ambição de Exercício do Poder
Por Edson Muirazeque

Já nos alertaram os realistas de que o homem é por natureza egoísta e sua ambição é de alcançar o poder e dominar os outros. O comportamento de certas lideranças vem comprovar a validade desta tese. É impressionante que, mesmo depois de décadas no poder, algumas lideranças vêem a público defender a necessidade de instituir “presidências vitalícias” nos seus países. Em Abril de 2006 o líder líbio, dirigindo-se aos parlamentares africanos em Dakar, defendeu a necessidade de modificar os mandatos presidenciais para permitir aos chefes de Estado permanecer mais tempo no poder. De acordo com o líder líbio a “limitação dos mandatos presidenciais é um obstáculo ao desenvolvimento e ao bom funcionamento dos Estados do continente. O artigo que limita os mandatos dos presidentes é contrário aos princípios de democracia. Se o povo quiser manter durante muito tempo o seu presidente, porquê o impedir?”[1].

Curiosamente, este pronunciamento vem de alguém que está no poder há mais de duas décadas! Mas o caso de Kadhafi não é um caso isolado. Há tantos outros exemplos. No mesmo ano a presidência da Nigéria exigia a demissão do Vice-Presidente por este ter criticado publicamente a alegada intenção do então Presidente Olusegun Obasanjo disputar um terceiro mandato à frente do país[2]. Na altura circulavam rumores em torno de uma alegada intenção de se efectuar uma emenda constitucional que permitisse que o Presidente concorresse a um terceiro mandato. Entretanto, o então Vice-Presidente, Atiku Abubakar, opunha-se a esta posição, pois pretendia concorrer ao cargo. O curioso é que os dois tinham sido companheiros nas duas eleições anteriores para a eleição do primeiro.

Yoweri Museveni candidatou-se para um terceiro mandato, e venceu, após ter imposto uma alteração na constituição que limitava a dois mandatos seguidos a permanência no cargo. Frederik Chiluba tentou fazer o mesmo na Zâmbia mas não foi bem sucedido. Angola está actualmente a discutir uma proposta de revisão constitucional que impedirá que o Presidente seja eleito directamente pelo povo. Este ano o Presidente do Níger, Mamadou Tandja, submeteu a referendo, e conseguiu um sim, uma proposta de revisão constitucional que o permite que concorra para mais um mandato.

Há líderes que permanecem no poder mais de três décadas. Trinta anos no poder são praticamente uma vida inteira se tivermos em conta a média de esperança de vida em África! Ainda assim há líderes que defendem a não limitação do exercício do poder. Uma questão se coloca. Se pactuarmos por líderes vitalícios não estaremos a criar cargos de insubstituíveis? E mais, é o povo que quer que o líder permaneça por anos intermináveis no poder ou é a liderança que assim o deseja?

Esta sede de permanecer no poder é prova clara de que muitas lideranças ainda não estão preparadas para assumir os princípios democráticos que dizem abraçar. Kadhafi faz alusão à democracia no seu pronunciamento. Mas há um princípio chave que se deve respeitar ao se falar da democracia, ao menos quando falamos de democracia liberal. É o princípio da rotatividade do poder e respeito dos preceitos constitucionais. É claro que a rotatividade deve ser feita de acordo com a vontade popular, mas é igualmente prevista na constituição. Portanto, é imperioso que as lideranças mentalizem que podem ser substituídas e que os seus sucessores podem ter as mesmas ou maiores capacidades de governação que as suas, uma vez que o papel da liderança é servir o povo.

Uma das grandes desculpas que é usada para justificar a necessidade de permanecer mais tempo no poder é a do líder ter de terminar o seu programa de desenvolvimento traçado e apresentado na campanha eleitoral. Mas aqui temos um outro problema. Será que ao se candidatar o líder não estava consciente da limitação do mandato? Não terá previsto o que é possível fazer num mandato presidencial? Ou a vontade de permanecer no poder é maior?

Mais uma vez podemos dizer que certas lideranças ainda não estão preparadas para adoptar certos princípios democráticos. Adoptam tais princípios não porque o desejaram mas sim porque não tiveram escolha. Primeiro encontramos uma crise global que se vivia desde os anos 1960, agravada pelas crises do petróleo nos anos 1970, que afectou também os Estados africanos obrigando-os a adoptar os programas de ajustamento estrutural como uma estratégia para contê-la. Outro factor é o fim da guerra-fria e a “vitória” do liberalismo sobre o socialismo. Isto fez com que os Estados africanos deixassem de ter aquela protecção que possuíam durante a guerra-fria. Por estes e vários outros factores as lideranças africanas não tiveram mais opção senão recorrer ao apoio das maiores instituições financeiras internacionais, que por sinal eram dominadas pelos países capitalistas. Ao requerer o apoio destas instituições um dos condicionalismos exigidos era exactamente o da inclusão do princípio da limitação do mandato nas suas constituições.

Uma vez chegados ao poder não passa pela cabeça dos líderes de que findo o seu mandato devem desocupar o cargo. Daí a tentativa de emendar a constituição para ficar mais algum mandato no poder.

Nota: apesar de neste artigo refirir-me apenas às lideranças africanas, não significa que é só neste continente onde os líderes procuram perpetuar-se no poder.
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[1] http://www.panapress.com/freenewspor.asp?code=por030490&dte=05/04/2006
[2] Jornal Meia Noite, 11/04/06

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

A Questão Nuclear Iraniana

Busca e Manutenção do Poder em Conflito[1]
Por Edson Muirazeque

Porque será que a questão nuclear iraniana tem de ser discutida no Conselho de Segurança se as intenções do Irão no enriquecimento de urânio são puramente pacíficas? Porquê privar um povo do direito de arranjar fontes alternativas de energia enquanto este se debate com uma crise energética? Estas e várias outras são provavelmente questões que apoquentam o caro leitor.

Esta reflexão não pretende trazer uma resposta acabada para estas questões. Pretende apenas trazer uma resposta alternativa à delicada questão nuclear. De um lado, encontramos o Conselho de Segurança a pressionar o Irão para desistir do seu projecto nuclear, por recear que este país produza armas de destruição em massa. Do outro lado, encontramos o Irão a afirmar que o seu programa nuclear é puramente pacífico. É bastante delicado encontrar uma explicação que se possa ajustar mais à realidade em torno da questão iraniana. Mas, podemos recorrer ao pensamento realista para uma possível explicação.

O realismo político ensina que o homem é por natureza mau; de todos os seus males, nenhum é mais perigoso do que a sua ambição pelo poder e seu desejo de dominar os outros; a política internacional é uma luta pelo poder, uma “luta de todos contra todos”; o dever de cada Estado neste ambiente é promover o “interesse nacional”, definido em termos de aquisição de poder; a natureza do sistema internacional mostra ser necessário adquirir capacidades militares suficientes para fazer face a ataques de potenciais inimigos; os aliados podem ajudar um Estado a se defender, mas não se deve assumir a sua lealdade e honestidade; nunca confiar a tarefa de auto-defesa a organizações internacionais ou ao direito internacional; e, se todos Estados procuram maximizar o poder, a estabilidade resultará da manutenção do balance of power (Kegley, Jr. & Wittkopf, 1993: 23)[2].

Partindo destes pressupostos podemos dizer que o fundo da questão iraniana é o poder. De um lado estão os EUA e outros Estados do clube nuclear (Rússia, França, Inglaterra, China) que procuram a todo custo manter, exclusivamente, o status de potência nuclear. Índia e Paquistão pertencem, também, a este clube. Do outro lado encontramos o Irão que diz procurar produzir energia nuclear para fins pacíficos. Mas não nos esqueçamos que uma coisa é aquilo que declaramos e outra, bastante diferente, é a que fazemos no terreno em prol dos nossos interesses. Se assumirmos o egoísmo humano, defendido pelo realismo e que tem sido transposto às relações internacionais, podemos dizer que não se deve confiar nas declarações da liderança iraniana ao alegar o pacifismo.

Apesar de o Irão alegar pacifismo no seu programa nuclear, é compreensível a preocupação dos EUA em pressionar os outros Estados do clube nuclear para tomar medidas mais duras contra o Irão. O facto é que para além dos sete Estados do clube nuclear, na era pós guerra-fria o Irão é um dos poucos países com capacidade e intenção de produzir armas nucleares (Daniel S. Papp, 2002: 361)[3]. Isto torna-se preocupante para os EUA, se olharmos para aquilo que é a conjuntura do Médio Oriente. Em primeiro lugar, os EUA não são apologistas do regime no poder no Irão. Consideram-no de fundamentalista. E no contexto dos ataques de 11 de Setembro às Torres Gémeas, o antigo Presidente norte-americano, George Bush, havia dividido o mundo em duas partes: o dos países pertencentes ao “eixo do bem” e o dos pertencentes ao “eixo do mal”. Ou seja, “quem não está connosco está contra nós”. E o Irão foi colocado no “eixo do mal”.

Outro motivo de preocupação para os EUA é a posição do regime iraniano em relação ao Estado de Israel. O Presidente iraniano terá declarado publicamente que “Israel tem de ser eliminado do mapa”. Esta é uma afirmação clara de que o Irão, possuindo capacidade militar elevada, não exclui a possibilidade de vir a atacar Israel. Assim, a posse de armas nucleares seria um valor acrescentado para as pretensas aspirações iranianas. Uma situação destas irá chocar com os interesses norte-americanos na região, se considerarmos que Israel é o “protegido” dos EUA na região.

Daí que podemos concluir que em torno da questão iraniana está a busca e manutenção do poder, neste caso o poder nuclear. O ponto é que uma vez possuindo o poder nuclear o Estado passa a ser visto de maneira diferente na arena internacional. Mas o facto é que já existe um clube nuclear e este procura (e continuará a procurar) evitar que mais Estados apareçam com este poder. E principalmente se esse Estado é catalogado como sendo do “eixo do mal”. Assim, é legítimo dizer que há um conflito entre a “busca” do status de potência nuclear (por parte do Irão) e a procura de “manutenção” exclusiva desse status (por parte dos Estados do clube nuclear).
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[1] O original deste artigo foi anteriormente publicado no já extinto Jornal Meianoite.
[2] Charles W. Kegley, Jr. & Eugene R. Wittkopf. World Politics: Trend and Transformation. 1993.
[3]Daniel S. Papp. Contemporary International Relations. 6th Edition. 2002.