quarta-feira, 16 de setembro de 2009

A Questão Nuclear Iraniana

Busca e Manutenção do Poder em Conflito[1]
Por Edson Muirazeque

Porque será que a questão nuclear iraniana tem de ser discutida no Conselho de Segurança se as intenções do Irão no enriquecimento de urânio são puramente pacíficas? Porquê privar um povo do direito de arranjar fontes alternativas de energia enquanto este se debate com uma crise energética? Estas e várias outras são provavelmente questões que apoquentam o caro leitor.

Esta reflexão não pretende trazer uma resposta acabada para estas questões. Pretende apenas trazer uma resposta alternativa à delicada questão nuclear. De um lado, encontramos o Conselho de Segurança a pressionar o Irão para desistir do seu projecto nuclear, por recear que este país produza armas de destruição em massa. Do outro lado, encontramos o Irão a afirmar que o seu programa nuclear é puramente pacífico. É bastante delicado encontrar uma explicação que se possa ajustar mais à realidade em torno da questão iraniana. Mas, podemos recorrer ao pensamento realista para uma possível explicação.

O realismo político ensina que o homem é por natureza mau; de todos os seus males, nenhum é mais perigoso do que a sua ambição pelo poder e seu desejo de dominar os outros; a política internacional é uma luta pelo poder, uma “luta de todos contra todos”; o dever de cada Estado neste ambiente é promover o “interesse nacional”, definido em termos de aquisição de poder; a natureza do sistema internacional mostra ser necessário adquirir capacidades militares suficientes para fazer face a ataques de potenciais inimigos; os aliados podem ajudar um Estado a se defender, mas não se deve assumir a sua lealdade e honestidade; nunca confiar a tarefa de auto-defesa a organizações internacionais ou ao direito internacional; e, se todos Estados procuram maximizar o poder, a estabilidade resultará da manutenção do balance of power (Kegley, Jr. & Wittkopf, 1993: 23)[2].

Partindo destes pressupostos podemos dizer que o fundo da questão iraniana é o poder. De um lado estão os EUA e outros Estados do clube nuclear (Rússia, França, Inglaterra, China) que procuram a todo custo manter, exclusivamente, o status de potência nuclear. Índia e Paquistão pertencem, também, a este clube. Do outro lado encontramos o Irão que diz procurar produzir energia nuclear para fins pacíficos. Mas não nos esqueçamos que uma coisa é aquilo que declaramos e outra, bastante diferente, é a que fazemos no terreno em prol dos nossos interesses. Se assumirmos o egoísmo humano, defendido pelo realismo e que tem sido transposto às relações internacionais, podemos dizer que não se deve confiar nas declarações da liderança iraniana ao alegar o pacifismo.

Apesar de o Irão alegar pacifismo no seu programa nuclear, é compreensível a preocupação dos EUA em pressionar os outros Estados do clube nuclear para tomar medidas mais duras contra o Irão. O facto é que para além dos sete Estados do clube nuclear, na era pós guerra-fria o Irão é um dos poucos países com capacidade e intenção de produzir armas nucleares (Daniel S. Papp, 2002: 361)[3]. Isto torna-se preocupante para os EUA, se olharmos para aquilo que é a conjuntura do Médio Oriente. Em primeiro lugar, os EUA não são apologistas do regime no poder no Irão. Consideram-no de fundamentalista. E no contexto dos ataques de 11 de Setembro às Torres Gémeas, o antigo Presidente norte-americano, George Bush, havia dividido o mundo em duas partes: o dos países pertencentes ao “eixo do bem” e o dos pertencentes ao “eixo do mal”. Ou seja, “quem não está connosco está contra nós”. E o Irão foi colocado no “eixo do mal”.

Outro motivo de preocupação para os EUA é a posição do regime iraniano em relação ao Estado de Israel. O Presidente iraniano terá declarado publicamente que “Israel tem de ser eliminado do mapa”. Esta é uma afirmação clara de que o Irão, possuindo capacidade militar elevada, não exclui a possibilidade de vir a atacar Israel. Assim, a posse de armas nucleares seria um valor acrescentado para as pretensas aspirações iranianas. Uma situação destas irá chocar com os interesses norte-americanos na região, se considerarmos que Israel é o “protegido” dos EUA na região.

Daí que podemos concluir que em torno da questão iraniana está a busca e manutenção do poder, neste caso o poder nuclear. O ponto é que uma vez possuindo o poder nuclear o Estado passa a ser visto de maneira diferente na arena internacional. Mas o facto é que já existe um clube nuclear e este procura (e continuará a procurar) evitar que mais Estados apareçam com este poder. E principalmente se esse Estado é catalogado como sendo do “eixo do mal”. Assim, é legítimo dizer que há um conflito entre a “busca” do status de potência nuclear (por parte do Irão) e a procura de “manutenção” exclusiva desse status (por parte dos Estados do clube nuclear).
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[1] O original deste artigo foi anteriormente publicado no já extinto Jornal Meianoite.
[2] Charles W. Kegley, Jr. & Eugene R. Wittkopf. World Politics: Trend and Transformation. 1993.
[3]Daniel S. Papp. Contemporary International Relations. 6th Edition. 2002.