segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Governos e Terroristas

Unidos Numa Conspiração para “Oprimir” o Povo!?

Por Edson Muirazeque

Quando ouvimos falar de governos e terroristas apercebemo-nos logo, pelo seu significado, que são duas palavras completamente opostas e contraditórias. No entanto, uma análise um pouco atenta aos efeitos de algumas acções destes dois pode induzir-nos a pensar que têm um acordo tácito para “oprimir” o povo. Analisemos os efeitos das sanções económicas e do terrorismo, para podermos perceber o porquê do título deste artigo. Comecemos pelas acções dos terroristas.

O terrorismo é um termo complexo e controverso. Possui várias definições, mas para o presente artigo vamos assumi-lo como sendo o uso da violência contra civis inocentes ou governos com o propósito de criar medo e forçar mudanças políticas ou sociais. Com as suas acções os terroristas esperam que a opinião pública pressione o governo a mudar de comportamento para satisfazer suas exigências. Seus fins são eminentemente políticos. Mas o que acontece é que os governos, na maior parte das vezes, não cedem às chantagens dos terroristas; podem até tornar-se mais legítimos na guerra contra o terrorismo. Quem se encontra no fogo cruzado e a sofrer é o povo que é usado como instrumento de luta entre governos e terroristas.

Do outro lado, encontramos certos governos, ocidentais na sua maioria, que também agem com a intenção de “intimidar” e “chantagear” outros governos. Usam a mesma premissa terrorista segundo a qual “oprimindo o povo este vai se revoltar contra o seu governo para que este mude seu comportamento em relação a determinadas políticas”. Estamos a falar de sanções económicas que foram tanto usadas durante a guerra-fria, e ainda hoje continuam a ser usadas, mas que na realidade pouco efeito criam para o que se pretende alcançar. As sanções económicas são “acções deliberadas do governo para infligir privação económica ao Estado ou sociedade alvo, através da limitação ou cessação de relações económicas costumeiras”. A sanção económica é um instrumento usado na política externa com os seguintes objectivos: forçar o alvo a alterar seu comportamento para se conformar às preferências do sancionador, derrubar os líderes ou regimes alvos, intimidar actores internacionais para não tomar certos comportamentos.

Apesar de ser um instrumento preferido na política externa de certos Estados, as evidências mostram que, a maior parte das vezes (se alguma), as sanções económicas não produzem o efeito desejado. O facto é que não há uma relação íntima entre privação económica e o desejo político de mudar. Elas podem até criar um sentimento de nacionalismo ao povo “oprimido”. O governo pode se tornar mais legítimo, no sentido de que quem é visto como causador da dor sofrida é o sancionador. E mais, os próprios Estados que concordam em aplicar sanções contra um determinado Estado não chegam a aplicá-las efectivamente, ou seja, continuam a se relacionar “secretamente” com o Estado sancionado.

Mais uma vez o povo é “oprimido” numa contenda que envolve agendas políticas. Numa situação em que se deseja a mudança de comportamento de certos governos, quem sofre mais é o povo. Tanto no caso dos terroristas como no das sanções económicas os governos visados continuam “inabaláveis”, apesar de poderem sofrer um ligeiro abanão. Mas, em ambos os casos, o povo, aquele sobre o qual deve residir a soberania, morre ou fica privado de satisfazer as suas necessidades básicas. Surge então uma questão: porquê insistir nas sanções económicas se estas só prejudicam o povo e tornam os governos visados mais intransigentes?

Estamos a assistir hoje um desastre económico no Zimbabwé, resultante de vários factores internos mas agravado pelas sanções impostas pelo ocidente. Como resultado, o povo sofre e por muito tempo o governo endureceu mais a sua posição e, aquando das eleições de 2008, assistiu-se a violações de direitos humanos. Na Palestina, quando o povo elegeu democraicamente o Hamas, o governo deste movimente ficou sob sanções mas quem se ressentiu foi o povo. O regime cubano é um caso “secular” que se encontra sob sanções mas que mesmo assim não cede a pressões externas, e parece que o regime tem legitimidade interna.

No dia 01/10/09 o sítio do Canal de Moçambique na Internet noticiava que a denominada Plataforma Territorial dos Partidos Políticos Extra-parlamentares apela à Comunidade Internacional para que aplique sanções económicas contra o Estado moçambicano. Será que esta Plataforma espera que com as sanções económicas haverá um efeito contrário ao que aconteceu em vários outros casos? A Plataforma acredita mesmo que este tipo de pressão irá beneficiar o povo? Ou é uma mera manobra para ganhar “pontos” políticos! Senhores líderes de partidos políticos, não entrem no “acordo tácito” ao qual nos referimos neste artigo. Não sejam os senhores os primeiros a agitarem os governos a oprimirem o povo. Está quase provado que as sanções económicas não são eficazes, porquê continuar a decretá-las? Porquê agitar os doadores a decretarem sanções contra o vosso próprio povo?

Tendo a experiência mostrado que as sanções económicas não são eficazes para alcançar o objectivo pretendido, surge então uma série de questões que pode servir de objecto de reflexão para todos aqueles que directa ou indirectamente estão envolvidos no assunto, ou então aqueles que se interessam pelo assunto. Quem é o alvo das sanções económicas? O governo ou o povo? O objectivo é fazer com que o governo mude de comportamento ou é uma atitude deliberada para “dizimar” certos povos?

Só para terminar. Não há nenhuma conspiração, pelo menos que se conheça, dos governos e terroristas para oprimir o povo. O que há são estranhas coincidências. Ou seja, o terrorismo e as sanções económicas têm a mesma finalidade: a de forçar a mudança de comportamento por parte de um governo. Estranhamente, tanto os terroristas como os governos, para o alcance de seus objectivos levam a cabo acções que usam o povo como escudo. Em ambos casos os governos sobrevivem e o povo inocente morre ou fica privado de satisfazer suas necessidades básicas.

Emendas Constitucionais

Interminável Ambição de Exercício do Poder
Por Edson Muirazeque

Já nos alertaram os realistas de que o homem é por natureza egoísta e sua ambição é de alcançar o poder e dominar os outros. O comportamento de certas lideranças vem comprovar a validade desta tese. É impressionante que, mesmo depois de décadas no poder, algumas lideranças vêem a público defender a necessidade de instituir “presidências vitalícias” nos seus países. Em Abril de 2006 o líder líbio, dirigindo-se aos parlamentares africanos em Dakar, defendeu a necessidade de modificar os mandatos presidenciais para permitir aos chefes de Estado permanecer mais tempo no poder. De acordo com o líder líbio a “limitação dos mandatos presidenciais é um obstáculo ao desenvolvimento e ao bom funcionamento dos Estados do continente. O artigo que limita os mandatos dos presidentes é contrário aos princípios de democracia. Se o povo quiser manter durante muito tempo o seu presidente, porquê o impedir?”[1].

Curiosamente, este pronunciamento vem de alguém que está no poder há mais de duas décadas! Mas o caso de Kadhafi não é um caso isolado. Há tantos outros exemplos. No mesmo ano a presidência da Nigéria exigia a demissão do Vice-Presidente por este ter criticado publicamente a alegada intenção do então Presidente Olusegun Obasanjo disputar um terceiro mandato à frente do país[2]. Na altura circulavam rumores em torno de uma alegada intenção de se efectuar uma emenda constitucional que permitisse que o Presidente concorresse a um terceiro mandato. Entretanto, o então Vice-Presidente, Atiku Abubakar, opunha-se a esta posição, pois pretendia concorrer ao cargo. O curioso é que os dois tinham sido companheiros nas duas eleições anteriores para a eleição do primeiro.

Yoweri Museveni candidatou-se para um terceiro mandato, e venceu, após ter imposto uma alteração na constituição que limitava a dois mandatos seguidos a permanência no cargo. Frederik Chiluba tentou fazer o mesmo na Zâmbia mas não foi bem sucedido. Angola está actualmente a discutir uma proposta de revisão constitucional que impedirá que o Presidente seja eleito directamente pelo povo. Este ano o Presidente do Níger, Mamadou Tandja, submeteu a referendo, e conseguiu um sim, uma proposta de revisão constitucional que o permite que concorra para mais um mandato.

Há líderes que permanecem no poder mais de três décadas. Trinta anos no poder são praticamente uma vida inteira se tivermos em conta a média de esperança de vida em África! Ainda assim há líderes que defendem a não limitação do exercício do poder. Uma questão se coloca. Se pactuarmos por líderes vitalícios não estaremos a criar cargos de insubstituíveis? E mais, é o povo que quer que o líder permaneça por anos intermináveis no poder ou é a liderança que assim o deseja?

Esta sede de permanecer no poder é prova clara de que muitas lideranças ainda não estão preparadas para assumir os princípios democráticos que dizem abraçar. Kadhafi faz alusão à democracia no seu pronunciamento. Mas há um princípio chave que se deve respeitar ao se falar da democracia, ao menos quando falamos de democracia liberal. É o princípio da rotatividade do poder e respeito dos preceitos constitucionais. É claro que a rotatividade deve ser feita de acordo com a vontade popular, mas é igualmente prevista na constituição. Portanto, é imperioso que as lideranças mentalizem que podem ser substituídas e que os seus sucessores podem ter as mesmas ou maiores capacidades de governação que as suas, uma vez que o papel da liderança é servir o povo.

Uma das grandes desculpas que é usada para justificar a necessidade de permanecer mais tempo no poder é a do líder ter de terminar o seu programa de desenvolvimento traçado e apresentado na campanha eleitoral. Mas aqui temos um outro problema. Será que ao se candidatar o líder não estava consciente da limitação do mandato? Não terá previsto o que é possível fazer num mandato presidencial? Ou a vontade de permanecer no poder é maior?

Mais uma vez podemos dizer que certas lideranças ainda não estão preparadas para adoptar certos princípios democráticos. Adoptam tais princípios não porque o desejaram mas sim porque não tiveram escolha. Primeiro encontramos uma crise global que se vivia desde os anos 1960, agravada pelas crises do petróleo nos anos 1970, que afectou também os Estados africanos obrigando-os a adoptar os programas de ajustamento estrutural como uma estratégia para contê-la. Outro factor é o fim da guerra-fria e a “vitória” do liberalismo sobre o socialismo. Isto fez com que os Estados africanos deixassem de ter aquela protecção que possuíam durante a guerra-fria. Por estes e vários outros factores as lideranças africanas não tiveram mais opção senão recorrer ao apoio das maiores instituições financeiras internacionais, que por sinal eram dominadas pelos países capitalistas. Ao requerer o apoio destas instituições um dos condicionalismos exigidos era exactamente o da inclusão do princípio da limitação do mandato nas suas constituições.

Uma vez chegados ao poder não passa pela cabeça dos líderes de que findo o seu mandato devem desocupar o cargo. Daí a tentativa de emendar a constituição para ficar mais algum mandato no poder.

Nota: apesar de neste artigo refirir-me apenas às lideranças africanas, não significa que é só neste continente onde os líderes procuram perpetuar-se no poder.
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[1] http://www.panapress.com/freenewspor.asp?code=por030490&dte=05/04/2006
[2] Jornal Meia Noite, 11/04/06