Divididas
por interesses exógenos, nos últimos meses as duas coreias têm dominado as manchetes
da imprensa internacional. O líder do norte não só predispôs-se a sentar, à
mesma mesa, com o presidente dos EUA, seu “maior inimigo”, como também, na
sentada, aquele disse estar disposto a desmantelar o seu programa nuclear. Os
debates que se seguiram concentraram-se em analisar o alcance das promessas de Kim
Jong-un. Porém, importa também fazer uma reflexão sobre as implicações do relaxamento
de tensões que se verifica entre as duas Coreias. Poderá o corrente
“desanuviamento” corrigir a “injustiça histórica” de a família coreana ter sido
separada pelos apetites da ocidentalmente baptizada como “guerra fria”?
O
debate em torno do alcance da promessa norte-coreana sobre a desnuclearização é
dominado entre os parcialmente optimistas e os detractores do regime
norte-coreano. Os parcialmente optimistas acreditam que o regime comunista da
Coreia do Norte chegou a um ponto de ebulição, no sentido de que o país está a
viver dificuldades económicas que não mais lhe permitem continuar com a sua
recorrente postura combativa. Portanto, as promessas de Kim são consideradas uma
rendição, um reconhecimento de que ceder às exigências dos EUA é a única via
para a sobrevivência do regime e do Estado. Assim, os norte-coreanos acreditam
que a desnuclearização abrirá as portas para o levantamento das sanções
económicas sobre o país e, com isso, poderão ter acesso ao capital para o
desenvolvimento económico. Deste modo, acredita-se que as promessas de Kim são
“genuínas”.
Os
detractores do regime norte-coreano, por seu turno, não acreditam na
sinceridade das promessas. A base do seu argumento é a mesma dos parcialmente
optimistas, divergindo com aqueles no resultado que consideram ser o que Kim
deseja. Assim, consideram que o discurso de abertura à desnuclearização não
passa de uma estratégia não só para garantir que as sanções sejam levantadas,
como também para, a partir disto, acelerar, graças aos recursos que poderão ser
drenados ao país, ainda mais o desenvolvimento de armas nucleares.
Sejam
quais forem as intenções de Kim, o facto é que o relaxamento das tensões entre
as partes está a permitir que várias famílias, há décadas separadas, tenham a
oportunidade de mais uma vez, talvez a última, se avistarem. Mais do que isso,
este desanuviamento remete a uma reflexão em torno das suas implicações nas
relações intra-coreanas: será esta uma oportunidade para a reunificação?
Estarão as grandes potências interessadas numa Coreia reunificada?
Da
parte dos coreanos parece haver clareza sobre a sua vontade de ver o país
reunificado. Mesmo ao nível das lideranças essa parece ser também a vontade: o governo
do Sul possui um Ministério específico responsável por estudar os caminhos para
a reunificação; Kim Jong-un tem dito que o empecilho para a normalização das
relações intra-coreanas, e da eventual reunificação, tem sido o facto de o Sul
ser subserviente aos EUA.
A reunificação
parece não ser vista com “bons olhos” pelas grandes potências. Uma Coreia
reunificada pode significar a emergência de uma terceira força no jogo pelo
domínio do sistema internacional, se se considerar que os adversários pela
hegemonia são os EUA (em declínio) e a China (em ascensão). Dados do Goldman
Sachs indicam que uma Coreia reunificada pode ultrapassar o Japão ou a Alemanha
em tamanho e influência, países que no ranking das economias mais ricas ocupam
o terceiro e quarto lugares, respectivamente. A reunificação significaria a combinação
de minerais e mão-de-obra barata em abundância do Norte com a evoluída e já
estabelecida, mas importadora de matérias-primas, indústria do Sul. Se à dimensão
económica se acrescer a dimensão militar, que inclui armas nucleares, do Norte,
ter-se-ia uma grande potência com possibilidades de almejar o estatuto de
potência dominante.
Dos
cálculos do anterior parágrafo dá para perceber a vontade das grandes
potências, especialmente os EUA e a China, não quererem abdicar do “controlo”
que exercem sobre as coreias, especialmente a intenção de desnuclearizar a
Península. A sua reunificação com as capacidades económicas do Sul e militares
do Norte pode “baralhar” o balance of
power (equilíbrio de poder) que se verifica no sistema internacional. Aos
EUA, que estão empenhados em impedir que a China ou outra potência os suplante
no topo da hierarquia de poder no sistema, não interessa ver emergir mais uma
“dor de cabeça”. À China, que almeja suplantar os EUA em status no sistema, não interessa ver um concorrente do outro lado
da sua fronteira. Estas são algumas contas em jogo para “o dia que as coreias
se reunificarem”.
Artigo publicado no Jornal Domingo. Disponível em http://www.jornaldomingo.co.mz/index.php/internacional/10797-o-dia-em-que-as-coreias-se-reunificarem
Artigo Publicado no Jornal Domingo. Disponível em http://www.jornaldomingo.co.mz/index.php/internacional/10797-o-dia-em-que-as-coreias-se-reunificarem
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