domingo, 16 de setembro de 2018
TPI: O Tribunal que Não Deve Tocar “Criminosos” das Grandes Potências
O conselheiro de Segurança
Nacional do presidente dos Estados Unidos da América (EUA), John Bolton,
avisou, no passado dia 10 de Setembro, aos juízes do Tribunal Penal
Internacional (TPI) para não se atreverem a chamar potenciais “criminosos”
norte-americanos para aquela instituição, sob pena de serem julgados e
condenados em tribunais dos EUA. A ameaça de Bolton vem a propósito de o TPI,
instituição responsável por investigar, julgar e, eventualmente, condenar
indivíduos acusados de cometer crimes de guerra, crimes contra a humanidade e
genocídios, ter anunciado estar disposta a investigar os crimes que o exército
dos EUA e a Agência Central de Inteligência (CIA) são acusados de ter cometido
nas prisões secretas que controlam no Afeganistão. A reacção dos
norte-americanos, por um lado, confirma a ideia de que as instituições
internacionais são somente úteis quando satisfazem os interesses das grandes
potências no sistema internacional e, por outro, confirma o receio dos críticos
de que o Tribunal foi criado para policiar os Estados “fracos”, principalmente
do continente africano.
Iniciando pelo argumento
da (in)utilidade do TPI para as grandes potências, esta não é a primeira vez
que o tribunal é “desacreditado” em torno de investigações de casos de crimes
cometidos por indivíduos de uma grande potência. No contexto da invasão anglo-americana
ao Iraque, algumas figuras de proa, como o arcebispo sul-africano Desmond Tutu,
sugeriram que George W. Bush e Tony Blair, antigos Presidente dos EUA e
Primeiro-Ministro da Grã-Bretanha, respectivamente, deviam ser apresentados à
barra do tribunal. Um tribunal de Kuala Lumpur chegou mesmo a julgar e condenar
os dois líderes a revelia. Porém, o TPI nada fez mesmo em face de acusações de
todos os quadrantes sobre as “inverdades engendradas” pelos dois líderes – por
exemplo sobre a posse, pelo Iraque, de armas de destruição em massa – para
invadirem o Iraque. A invasão terá resultado na destruição do país e na matança
de milhões de iraquianos.
No caso que está agora nas
manchetes dos jornais internacionais os americanos pretendem alcançar dois
interesses. Em primeiro lugar, a ameaça ao TPI tem em vista dissuadir os seus
juízes a prosseguir com investigações de eventuais crimes cometidos por pessoal
norte-americano destacado no Afeganistão. A este respeito os norte-americanos
ameaçam congelar bens e propriedades que estejam nos EUA ou verbas monetárias
que estejam no circuito financeiro por si controlado. No seu discurso
dramático, Bolton chegou mesmo a declarar a “morte do TPI”.
Em segundo lugar, a
advertência dos EUA é feita para a protecção do Estado de Israel, seu aliado
natural. Aliás, os EUA estão tão empenhados em proteger Israel que procuram,
sempre que possível, silenciar e enfraquecer o “inimigo” do Estado Judeu – a Organização
para a Libertação da Palestina (OLP). Ao insurgir-se contra o TPI, Bolton,
corroborado pela porta-voz da Casa Branca, fez saber que os EUA estão dispostos
a usar “quaisquer meios necessários” para proteger seus cidadãos, de Israel ou
de outros aliados. Sucede que a OLP está a encetar diligências para submeter ao
TPI uma queixa contra Israel, acusando este Estado de estar a cometer crimes na
Faixa de Gaza. Como que a evidenciar a materialização da expressão “uso de quaisquer
meios necessários”, o conselheiro anunciou o encerramento da representação
diplomática da OLP em Washington.
A reacção dos EUA, e das
grandes potências no geral, tem também o efeito de confirmar os receios dos
críticos à actuação do TPI em dois aspectos. Primeiro, as actuais maiores
potências do sistema internacional – EUA, Rússia e China – não são membros do
tribunal. No entanto, um dos requisitos para a credibilidade e funcionamento
dos regimes e das instituições internacionais é precisamente a adesão e
engajamento das grandes potências.
Segundo, quando o tribunal
pretende investigar e julgar acusações de crimes contra indivíduos das grandes
potências, tal é o caso dos EUA, estas ou não colaboram ou ameaçam a
integridade física e psicológica dos juízes. Entretanto, quando os casos a
serem apresentados ao tribunal são de países relativamente fracos,
principalmente de África, os casos são investigados, mandatos internacionais de
captura são emitidos e os acusados são julgados e condenados. Por exemplo, dados
de Novembro de 2016 mostravam que estavam sob investigação 10 casos, dos quais
9 de crimes alegadamente cometidos por indivíduos de e em países africanos. Dados
gerais mostravam que contra indivíduos africanos o TPI indiciou 39, emitiu
mandatos de captura contra 31 e instaurou processos contra 22.
Artigo publicado no Jornal Domingo. Disponível em http://www.jornaldomingo.co.mz/index.php/internacional/10762-tpi-o-tribunal-que-nao-deve-tocar-criminosos-das-grandes-potencias
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