O presidente dos EUA anunciou,
recentemente, o seu tão esperado plano de paz para pôr termo ao conflito
israelo-palestiniano. Aclamado por uns e desdenhado por outros, o plano de Trump
traz consigo, à partida, alguns pecados capitais. Quando se olha para o
comportamento das partes, as causas da longa conflitualidade e a forma como o
plano foi apresentado, pode dizer-se que o plano de paz trumpiano está
condenado à morte antes mesmo do início da sua implementação.
Basicamente, o plano proposto pelo
presidente dos EUA preserva a ideia da criação de dois Estados: um para os
Judeus (já criado em 1948) e um para os Árabes (ainda por criar) na Palestina.
Na verdade, esta solução foi esboçada pelas Nações Unidas, quando esta
organização aprovou, em 1947, a Resolução 181, e foi reforçada por várias
resoluções subsequentes, com destaque para a Resolução 242 do Conselho de
Segurança (em 1967), aprovadas no contexto do conflito israelo-árabe/palestiniano.
O plano de Trump propõe também que Jerusalém seja considerada “capital
indivisível” de Israel e que os territórios ocupados por este país, diga-se
ilegalmente, na Cisjordânia sejam “legalizados”, para além de exigir o
reconhecimento do Vale do Jordão como de soberania israelita. Em benefício dos
palestinianos os EUA prometem biliões de dólares em investimento, que podem
gerar milhares de empregos e promover o desenvolvimento da Palestina.
Um dos modelos mais simples para a
análise de conflitos identifica quatro elementos básicos sobre os quais o
analista deve basear-se para compreender um determinado conflito, ou então as
tentativas de sua resolução. São eles o contexto, as partes, as causas e a
dinâmica do conflito. Para efeitos da análise que se pretende neste artigo
interessam apenas as partes e as causas, pois a sua complexidade faz prever
maior resistência dos palestinianos em relação ao plano.
Quando se fala de partes, são
identificáveis três tipos: as primárias (donos do conflito), as secundárias
(apoiantes dos donos do conflito) e as terciárias (terceiros que tentam ajudar
as partes primárias a pôr termo ao conflito). Este espaço não é suficiente
para, com detalhes, identificar e descrever as partes do conflito. No entanto,
é óbvio dizer que as partes primárias do conflito israelo-palestiniano são o
Estado de Israel e a Palestina. No geral e numa análise simplificada, pode-se
dizer que os Estados árabes são os apoiantes da Palestina e, do lado de Israel,
os EUA têm se mostrado como seu apoiante “incondicional”. Como parte terciária,
ainda que muitos actores possam reunir condições para essa categoria,
identificamos aqui as Nações Unidas.
O primeiro pecado capital do plano de
Trump reside no comportamento da parte secundária EUA. Desde a eclosão do
conflito israelo-árabe/palestiniano os EUA têm desempenhado um papel duplo. Se,
por um lado, se assumem como apoiantes incondicionais de Israel, endossando a
maioria das, senão todas, iniciativas israelitas em relação à Palestina, o que
a torna parte secundária, por outro, procuram liderar os esforços tendentes a
pôr-se fim ao conflito, o que a tornaria uma parte terciária. Este papel dúbio
dos EUA torna-se “pecado capital” para qualquer iniciativa de paz deste país
pela sua dificuldade em separar as duas posições. Aliás, a forma como o plano
de Donald Trump foi anunciado, com a presença e sorriso cúmplice do
primeiro-ministro de Israel e sem nenhuma representação dos palestinianos,
denuncia a dubiosidade e o favorecimento que a administração norte-americana
faz a uma das partes primárias ignorando a outra.
O segundo pecado do plano está no
conteúdo da proposta, que na verdade reflecte alguns dos pontos mais sensíveis
do conflito, isto é, os factores que causam a perpetuação da contenda. Das
questões mais sensíveis no conflito pode-se destacar o território, ou
fronteiras, Jerusalém e os refugiados. Sobre o território, o plano de partilha
de 1947 colocava a Faixa de Gaza e a Cisjordânia como os espaços onde se
estabeleceria o Estado palestiniano. Na primeira guerra Israel amealhou mais
território do que o previsto em 1947 e muita gente fugiu, ou foi expulsa, facto
que originou a problemática dos refugiados. Na guerra de 1967 Israel ocupou a
Faixa de Gaza e a Cisjordânia, mas a Resolução 242, que impôs o cessar-fogo,
exigiu a devolução dos territórios ocupados. No processo de paz lançado na
década de 1990 os palestinianos recuperaram a Faixa de Gaza, mas os israelitas
continuaram a ocupar a Cisjordânia. O plano de Trump pretende que a ocupação
israelita, materializada pelos colonatos, seja legalizada.
No plano de partilha, Jerusalém, dada a
sua sensibilidade, ficaria sob gestão internacional. Porém, nas várias guerras
travadas, Israel ocupou-a e considera-a sua capital, apesar da “resistência da
comunidade internacional”. Mas os palestinianos também consideram Jerusalém
como capital do seu futuro Estado. O plano de Trump peca “capitalmente” por
considerar que esta cidade seja considerada “capital indivisível” do Estado de
Israel. Aliás, o plano parece contraditório quando sugere a indivisibilidade de
Jerusalém ao mesmo tempo que refere que parte da cidade, a Oriental, seja
capital da Palestina.
Quando há guerras é natural que muita
gente se desloque dentro do seu próprio país ou se refugie em outros países.
Terminada a guerra, é também natural que as pessoas regressem às suas zonas de
origem, ou às suas casas. Na primeira guerra israelo-árabe milhares de
palestinianos se refugiaram nos países vizinhos. No fim da guerra, as
autoridades israelitas, que ocuparam o território previsto para o Estado
palestiniano, não permitiram o regresso dos refugiados. O plano de partilha
peca igualmente por não abordar as reivindicações palestinianas sobre o direito
ao retorno.
Um último pecado capital que se pode
abordar neste artigo é a excessiva confiança trumpiana de que os dólares
resolvem tudo. As propostas de alienação das vontades dos palestinianos
baseiam-se na crença de que a promessa de investimento na criação de empregos e
desenvolvimento é suficiente para os palestinianos aceitarem o plano. Porém,
nos estudos de conflito existem alguns aspectos, as necessidades e os valores,
que não são passíveis de “venda”. Aliás, numa rara concordância de posições, as
diferentes facções palestinianas, com destaque para a Autoridade Palestiniana e
o Hamas, já vieram a público rejeitar peremptoriamente o plano. Outros pecados
capitais podem ser identificados, especialmente ligados ao timing da sua
publicação, mas essa é matéria para uma outra reflexão.
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