Há
dois anos do fim do acordo que impõe restrições ao desenvolvimento, à produção,
ao armazenamento, à proliferação e ao uso de armas nucleares, o chamado Novo
START, as duas maiores potências nucleares, EUA e Rússia, continuam desavindas
e parece não haver vontade de o renegociar. Na semana passada, o ministro dos
negócios estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, rejeitou publicamente uma
proposta norte-americana para que as duas potências reiniciem o diálogo sobre o
controlo de armamento nuclear. A “culpada” pelo “não ao diálogo nuclear” da
Rússia é a Ucrânia, embora este país seja vítima da invasão russa. Por um lado,
Washington diz estar interessado em reiniciar o diálogo nuclear, para o qual
considera que não se deve fazer colação à guerra na Ucrânia. Moscovo, por outro
lado, atesta que o diálogo nuclear não pode ser separado da guerra na Ucrânia,
pelo que condiciona o reinício do diálogo ao fim do apoio de Washington à
Ucrânia. Ao que tudo indica, a Ucrânia vai continuar a “bloquear” a
possibilidade de as duas maiores potências nucleares alcançarem algum
entendimento em torno do controlo de armas, o que traz o risco de se assistir a
uma nova corrida ao armamento nuclear.
Controlo
de armamento é um termo usado para fazer referência a restrições internacionais
ao desenvolvimento, produção, armazenamento, proliferação e uso de armas
pequenas, armas convencionais e armas de destruição em massa. O conceito
implica alguma forma de colaboração entre Estados geralmente competitivos ou
antagónicos em áreas de política militar para diminuir a probabilidade de
guerra ou, caso a guerra ocorra, para limitar o seu nível de destruição.
Durante a ocidentalmente designada guerra fria, com o aparecimento da dimensão
nuclear das armas e o risco de destruição mútua, os EUA e a então União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas decidiram iniciar negociações para, primeiro,
limitar os testes, depois a implantação e, finalmente, a posse de armas
nucleares. Foi nesse contexto que foi criada, em 1957, a Agência Internacional
de Energia Atómica, cuja missão é promover a utilização pacífica da tecnologia
nuclear e impedir a sua utilização para fins militares.
Ao
longo do tempo vários acordos de controlo de armamento foram assinados, sendo
que o último significativo, o chamado Novo START, foi assinado em 2010 com a
duração esperada até 2026. O Novo START, uma sigla inglesa para Tratado de
Redução de Armas Estratégicas[1],
veio substituir o Tratado de Moscovo (SORT)[2],
que expiraria em 2012, no seguimento do START I, que expirou em 2009, do
proposto START II, que nunca entrou em vigor, e do START III, cujas negociações
não chegaram a ser concluídas. O tratado prevê a redução pela metade do número
de lançadores de mísseis nucleares estratégicos e a instauração de um novo
regime de inspecção e verificação, em substituição do mecanismo SORT. Em
Fevereiro de 2023, basicamente um ano após a invasão da Ucrânia, a Rússia suspendeu
a sua participação no tratado.
É
esse mecanismo de controlo de armamento que Washington diz estar interessado
que se reinicie a negociação e que Sergei Lavrov retorquiu, na semana passada,
dizendo que o seu país não está interessado. Na verdade, o “não” de Moscovo não
parece reflectir uma negação da ideia de controlo de armamento. Ele parece
reflectir, sim, uma percepção, por parte das autoridades de Moscovo, de que a
anunciada vontade negocial de Washington não passa de uma manobra para poder
ter acesso às instalações nucleares, por meio das inspecções mútuas que
acarretam os acordos de controlo de armamento, da Rússia. Aliás, quando Putin
anunciou a suspensão da participação do seu país no acordo, o presidente russo
reiterou que a Rússia não se retirava do acordo mas que não permitiria que se
fizessem inspecções às suas instalações nucleares.
A
“culpada” pelo desentendimento nuclear entre Washington e Moscovo é a Ucrânia.
Washington quer alcançar dois objectivos aparentemente incompatíveis. Os EUA se
posicionam como apoiantes “incondicionais” de Kiev na sua tentativa de retirar
as tropas russas do seu território, ao mesmo tempo que desejam chegar a um
entendimento com a Rússia sobre o controlo de armamento nuclear. Estes dois
objectivos parecem irreconciliáveis, pois o apoio dos EUA à Ucrânia é visto
como uma ameaça à segurança e aos interesses da Rússia, facto que impede, a priori, qualquer possibilidade de entendimento
nuclear entre as duas grandes potências. Aliás, dificilmente os EUA e a Rússia
poderão chegar a um entendimento nuclear enquanto Moscovo considerar que
Washington está a travar uma “guerra híbrida” contra si. O apoio à Ucrânia e os
contínuos discursos ocidentais de que este país está cada vez mais perto do
braço armado dos EUA-Ocidente, a Organização do Tratado do Atlântico Norte,
colocam cada vez mais distante a possibilidade de reinício do diálogo nuclear.
Tal como disse Lavrov, “no meio de uma ‘guerra híbrida’ travada por Washington
contra a Rússia, não vemos qualquer base, não apenas para quaisquer medidas
conjuntas adicionais na esfera do controlo de armas e redução de riscos
estratégicos, mas para qualquer discussão de questões de estabilidade
estratégica com os EUA”. Isto significa que enquanto o apoio dos EUA-Ocidente à
Ucrânia prevalecer, o diálogo para o controlo de armamento nuclear parece que vai
permanecer bloqueado. Ou seja, a Ucrânia “bloqueia” controlo de armamento pelas
grandes potências.
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