Parte
do objectivo primário que precipitou a instauração, pela África do Sul, de um
processo contra Israel no Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) foi alcançado
com algum sucesso. Embora não tenha anuído ao “pedido urgente” de Pretória para
que se ordene que Israel suspenda a sua ofensiva militar nos territórios
palestinianos, o tribunal das Nações Unidas ordenou um conjunto de medidas que,
se cumpridas por Israel, podem minimizar a carnificina que está a ocorrer em
Gaza. O TIJ tomou uma posição intermédia que, ao que parece, “satisfaz”
parcialmente as duas partes desavindas. Por um lado, o Tribunal emitiu um
conjunto de medidas que Israel deve observar, que a serem cumpridas vão limitar
a margem de manobra de Tel Aviv continuar a sua ofensiva militar em Gaza. Por outro
lado, o Tribunal não concede ao pedido de Pretória para ordenar um cessar-fogo
imediato, o que significa que Israel tem permissão para continuar com a sua
ofensiva militar. Com a primeira batalha ganha parcialmente, a África do Sul
deve agora concentrar-se em tentar “vencer a difícil guerra” de provar em
tribunal que, efectivamente, Israel cometeu o crime de genocídio na sua guerra
contra os palestinianos em Gaza.
Há
duas semanas a África do Sul intentou, junto do TIJ, uma acusação contra Israel
por supostos crimes de genocídio cometidos na campanha militar israelita em
resposta ao ataque terrorista do Hamas em Outubro de 2023. A acusação
sul-africana estava fundamentada em cinco argumentos que se enquadram na
definição de genocídio: o assassinato em massa de palestinianos em Gaza; a
imposição de graves danos mentais e corporais por Israel ao povo de Gaza; o deslocamento
forçado e bloqueio alimentar contra a população; a destruição do sistema de
saúde; e o impedimento de nascimento de palestinianos. Israel havia tentado
rebater estes argumentos sustentando que as suas operações militares
enquadravam-se no contexto do direito de autodefesa; que a acusação de
genocídio era circunstancial; que o Hamas é que devia ser responsabilizado po
supostamente usar civis como escudos humanos; que TIJ não tinha jurisdição para
se pronunciar sobre o caso; e que não havia fundamentos para sustentar a
acusação de Israel impedir o fornecimento de ajuda humanitária.
O
tribunal das Nações Unidas chegou a um veredicto na semana passada, pelo menos
em termos da emissão de “medidas provisórias” solicitadas por Pretória. A
esmagadora maioria dos juízes do TIJ, 15 de um total de 17, parece ter
concordado com a maior parte dos argumentos apresentados pela África do Sul e,
portanto, o tribunal ordenou um conjunto de medidas provisórias enquanto
continuam as diligências de averiguação. Aliás, o tribunal notou que existem
evidências suficientes de disputa que justificam a continuação da investigação
dos alegados casos de genocídio cometidos por Israel. Sobre a jurisdição do
Tribunal, que Israel contestava, o TIJ não só concluiu que pode decidir sobre o
assunto, como também indicou que pode, e fez isso, ordenar medidas provisórias.
Essencialmente,
o Tribunal ordenou que Israel tome medidas para prevenir actos de genocídio
enquanto trava a sua guerra contra o grupo Hamas na Faixa de Gaza, ao mesmo
tempo que deve punir qualquer incitamento ao genocídio. Num prazo de um mês,
Israel foi ordenado a informar o Tribunal sobre o que está a fazer para cumprir
a ordem de tomar todas as medidas ao seu alcance para prevenir actos de
genocídio em Gaza. De igual modo, o Tribunal decidiu que Israel deve
implementar prontamente medidas “imediatas e eficazes” para garantir a entrega
de ajuda humanitária e serviços básicos urgentemente necessários a Gaza.
Apesar
da África do Sul ter ganho, parcialmente, esta primeira batalha, a sua
“vitória” inicial é ensombrada por uma medida que Pretória solicitou mas que o
Tribunal não deu provimento: as medidas provisórias não impõem o cessar-fogo.
Duas razões podem ter estado por detrás da não ordenação do cessar-fogo, uma
positiva e outra negativa. Na razão positiva, pode ser que os juízes tenham
dado provimento ao argumento israelita de as suas operações militares se
enquadrarem no direito de autodefesa. Tendo em conta que o Hamas foi o primeiro
a infiltrar-se no território israelita, pode ser que os juízes vejam a
retaliação como uma acção legítima desde que, como as medidas provisórias
prescrevem, o direito de autodefesa não desemboque em genocídio de
palestinianos. A razão negativa colocaria nas lições do passado. Depois do
início das operações militares da Rússia na Ucrânia, em 2022, o TIJ ordenou um
cessar-fogo imediato. No entanto, a Rússia ignorou a ordem e continuou a sua
campanha militar. Pode ser que os juízes do Tribunal não queiram passar pelo
mesmo “embaraço” de tomar uma decisão em que o visado simplesmente ignora.
Aliás, as autoridades israelitas sempre deixaram claro que as operações
militares iriam continuar até o alcance dos objectivos traçados.
As medidas provisórias emitidas pelo Tribunal dão à diplomacia sul-africana algum nível de vitória moral, e até legal, já que o TIJ deu provimento à necessidade de continuação de investigações sobre o possível cometimento de genocídio por Israel. No entanto, antevêem-se “duros” tempos, pois a África do Sul terá de convencer os juízes o Tribunal para tentar “vencer a difícil guerra” de provar que, efectivamente, Israel cometeu o crime de genocídio na sua guerra contra os palestinianos em Gaza.