sexta-feira, 10 de agosto de 2018
Expropriações de Terra na África do Sul: Correcção de uma Injustiça Histórica?
O Presidente da
África do Sul, Cyril Ramaphosa, anunciou no dia 31 de Julho que o Congresso
Nacional Africano (ANC) vai avançar com os planos de emendar a constituição
para permitir a expropriação da terra sem compensar os proprietários. O plano é
visto, pela maioria da população do país, como um avanço para a correcção de
injustiças históricas na distribuição de terras, mas tem potencial também de
prejudicar a economia sul-africana. Em 2016 já tinha sido aprovada uma lei de
expropriação, mas esta previa a compra compulsória de terras para redistribuir.
O plano do ANC é explicitar o artigo 25 da constituição que, enquanto alguns
sustentam que permite a expropriação sem compensações, outros dizem o
contrário.
O problema da terra
no país do Rand foi criado pelo regime segregacionista do apartheid. Uma Lei de Terras aprovada em 1913 dividiu o país em
áreas para brancos e para negros, tendo criado a realidade de a maior parte da
terra, e a mais fértil, estar concentrada na população branca do país, que
constitui a minoria. Mais de duas décadas após o fim do apartheid o cenário
permanece o mesmo e isso tem sido motivo de contestação política e discursos
inflamatórios.
No seu discurso,
Ramaphosa referiu que a reforma da terra é de uma “importância crítica” para a
economia do país. Porém, o plano traz consigo diferentes interpretações e
potenciais implicações adversas. Embora seja evidente que há uma desproporção
na distribuição da terra, alguns analistas acreditam que o plano foi desenhado
por Ramaphosa com a intenção de granjear simpatias nalgumas facções dentro do
ANC que ainda não se curvam a ele.
A população
negra do país recebe o anúncio com júbilo, pois vê na reforma a tentativa de “devolução”
de um direito inalienável. Aliás, o ANC encontrou um “aliado forte” no
parlamento: o Partido dos Lutadores pela Liberdade Económica de Julius Malema,
que já havia submetido uma moção, aprovada, no sentido de haver expropriações
sem compensação. A expropriação pode ser vista como pertinente e necessária
para que sejam corrigidas as injustiças resultantes das várias décadas de
vigência do regime do apartheid. Com o plano pode-se fazer uma redistribuição
mais equitativa da terra entre os cidadãos sul-africanos.
Aplaudida pela
maioria da população sul-africana, a intenção do ANC cria algum medo nos
agricultores brancos, nos investidores e na “comunidade internacional”. Os
agricultores brancos receiam perder as suas terras, que são a fonte do seu
sustento e sem serem compensados. Além disso, há a dúvida em torno das
habilidades técnicas dos novos donos de terra para manter ou mesmo elevar os
níveis de produção e de produtividade agrícolas.
Os investidores
temem que a expropriação seja um prejuízo para economia do país. a este
respeito uma das questões que se pode levantar é se, numa sociedade em que a
economia continua a ser grandemente dominada pela minoria branca, os novos
donos de terra terão o capital necessário para continuar a assegurar a
sustentabilidade do sector agrário?
A “comunidade
internacional” teme a repetição da crise vivida no vizinho Zimbabwe, quando este
país implementou reformas da terra. A este respeito, quando o debate sobre a
expropriação sem compensação começou a intensificar-se, houve países ocidentais
(como o Canadá e a Austrália) que se prontificaram em receber os agricultores
brancos que fossem eventualmente afectados.
Portanto, o
sucesso da correcção da injustiça histórica relativa à distribuição da terra
está condicionada à tomada de medidas que, por um lado, garantam que haja uma
redistribuição da terra pela população negra sem, por outro lado, prejudicar os
agricultores brancos, nem retrair o investimento ou ainda alarmar a comunidade
internacional.
Artigo publicado no Jornal Domingo. Disponível em http://www.jornaldomingo.co.mz/index.php/internacional/10535-expropriacoes-de-terra-na-africa-do-sul-correccao-de-uma-injustica-historica
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