sexta-feira, 5 de outubro de 2018
Os Acordos de Oslo – a “colonização” israelita da Palestina
Quando
Yasser Arafat, líder da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) e da
Autoridade Palestiniana até a sua morte em 2004, assinou os acordos de Oslo II,
em Setembro de 1995, estava convencido que a criação do Estado palestiniano
estava para breve. Porém, passam 23 anos e o estabelecimento do Estado
palestiniano continua uma miragem. Os críticos já haviam alertado sobre os perigos
da assinatura daquele compromisso, mas o optimismo do líder da OLP vincou. Tal
como temiam os críticos, com o acordo Israel garantiu a legalização da
“colonização” sobre a Cisjordânia e consolidou a sua presença no território. A
isso se adiciona o facto de as acções da “parte terciária” ao conflito, os EUA,
serem favoráveis à manutenção da “colonização” judaica sobre a Palestina.
O
conflito israelo-árabe teve o seu início em 1948, quando os judeus declararam o
estabelecimento do Estado de Israel a 14 de Maio e, no dia seguinte, forças de
cinco países Árabes invadiram o recém-estabelecido Estado. Desde a formação de
Israel foram travadas quatro guerras israelo-árabes até 1973. Depois da derrota
árabe de 1967 e da assinatura dos Acordos de Camp David em 1978/9, o conflito
ficou mais direccionado para a dimensão israelo-palestiniana. Em Setembro de
1993, o governo israelita e a OLP assinaram o que ficou conhecido como Acordos
de Oslo, corporizados pelo reconhecimento mútuo e pela Declaração de Princípios.
Na
Declaração de Princípios acordou-se a retirada Israelita de Gaza e Jericó; o estabelecimento
de uma força policial Palestiniana para a segurança interna; eleições para uma
Autoridade Palestiniana; a transferência da autoridade para os Palestinianos em
relação à educação e cultura, saúde, bem-estar social, impostos directos e
turismo; a realização de negociações sobre o status final, que iniciariam em dois anos, e o alcance do acordo
final em cinco anos. Dois anos mais tarde assina-se o Oslo II, também conhecido
como Acordo de Taba, Segunda Fase ou Acordo Interino.
Oslo
II estabeleceu zonas de controlo, na Cisjordânia, para os Palestinianos e
Israelitas. A Zona A (3%) seria controlada pelos palestinianos; a Zona B (24%) teria
controlo conjunto israelo-palestiniano; a Zona C (73%) sob controlo israelita.
Na interpretação do acordo, Yasser Arafat acreditava que tanto a zona B como a
Zona C em breve passariam para o controlo exclusivo palestiniano e, com isso,
estabelecer-se-ia o Estado. Por seu turno, Yitzhak Rabin congratulava-se por
ter conseguido um acordo que garantia ao Estado Judeu a “colonização” (controlo)
de 73% do território, 80% da água e 97% dos arranjos de segurança. Aliás,
Israel conseguiu que a OLP reconhecesse o seu direito de existência mas, em
contrapartida, Israel reconheceu a OLP como representante do povo palestiniano
mas não reconhece o direito da existência da Palestina como Estado independente
e soberano.
No
presente mês de Setembro, que hoje termina, passam 23 anos desde a assinatura de
Oslo II. Porém, o almejado Estado continua uma miragem. Tal como tinham
previsto os críticos palestinianos ao acordo, os relatos referem que a
liberdade de passagem entre as cidades e vilas foi substituída por postos de
controlo e recolheres obrigatórios; a autonomia reduziu a liberdade; as Zonas A
e B parecem ilhas de autonomia Palestiniana cercadas pelo controlo israelita.
Enquanto isso, os colonatos judaicos interligam-se por estradas que permitem
aos colonos uma livre mobilidade. Ou seja, Oslo II permitiu a legalização e
consolidação da “colonização” Israelita sobre os territórios palestinianos.
Em
resultado da “colonização” israelita, vários grupos palestinianos, com destaque
para o Hamas, ganharam notoriedade nos territórios ocupados. Em 2006 este grupo
venceu as eleições em Gaza, numa altura em que, aparentemente, Israel dava
sinais de pretender retirar-se dos territórios. A ascensão do Hamas, rotulado
como grupo terrorista, levou ao recrudescimento de ataques de ambos os lados da
fronteira, numa espiral de violência da qual parece não haver fim a vista.
Desde
os meados da década de 1970 os EUA posicionaram-se como a potência com a
capacidade para desempenhar o papel de “parte terciária”. Porém, os vários
governos deste país não conseguiram ajudar as partes a alcançarem a paz. O
governo de Trump, particularmente, não parece estar interessado em ver uma
Palestina independente. Aliás, desde que tomou posse, o governo de Trump tem
minado o processo de paz: reconheceu a sensível Jerusalém como capital de
Israel; retirou o financiamento à UNRWA (Agência das Nações Unidas para a
Assistência aos Refugiados da Palestina); e há algumas semanas anunciou o
cancelamento da missão diplomática palestiniana em Washington. Portanto, de uma
posição de “parte terciária”, que se esperaria ser neutra, os EUA agem como uma
“parte secundária”, tomando posição favorável à “colonização” israelita da
Palestina.
Artigo publicado no Jornal Domingo. Disponível
em http://www.jornaldomingo.co.mz/index.php/internacional/10831-acordos-de-oslo-a-colonizacao-israelita-a-palestina
sexta-feira, 28 de setembro de 2018
O dia que as coreias se reunificarem…
Divididas por interesses exógenos, nos últimos meses as duas coreias têm dominado as manchetes da imprensa internacional. O líder do norte não só predispôs-se a sentar, à mesma mesa, com o presidente dos EUA, seu “maior inimigo”, como também, na sentada, aquele disse estar disposto a desmantelar o seu programa nuclear. Os debates que se seguiram concentraram-se em analisar o alcance das promessas de Kim Jong-un. Porém, importa também fazer uma reflexão sobre as implicações do relaxamento de tensões que se verifica entre as duas Coreias. Poderá o corrente “desanuviamento” corrigir a “injustiça histórica” de a família coreana ter sido separada pelos apetites da ocidentalmente baptizada como “guerra fria”?
O
debate em torno do alcance da promessa norte-coreana sobre a desnuclearização é
dominado entre os parcialmente optimistas e os detractores do regime
norte-coreano. Os parcialmente optimistas acreditam que o regime comunista da
Coreia do Norte chegou a um ponto de ebulição, no sentido de que o país está a
viver dificuldades económicas que não mais lhe permitem continuar com a sua
recorrente postura combativa. Portanto, as promessas de Kim são consideradas uma
rendição, um reconhecimento de que ceder às exigências dos EUA é a única via
para a sobrevivência do regime e do Estado. Assim, os norte-coreanos acreditam
que a desnuclearização abrirá as portas para o levantamento das sanções
económicas sobre o país e, com isso, poderão ter acesso ao capital para o
desenvolvimento económico. Deste modo, acredita-se que as promessas de Kim são
“genuínas”.
Os
detractores do regime norte-coreano, por seu turno, não acreditam na
sinceridade das promessas. A base do seu argumento é a mesma dos parcialmente
optimistas, divergindo com aqueles no resultado que consideram ser o que Kim
deseja. Assim, consideram que o discurso de abertura à desnuclearização não
passa de uma estratégia não só para garantir que as sanções sejam levantadas,
como também para, a partir disto, acelerar, graças aos recursos que poderão ser
drenados ao país, ainda mais o desenvolvimento de armas nucleares.
Sejam
quais forem as intenções de Kim, o facto é que o relaxamento das tensões entre
as partes está a permitir que várias famílias, há décadas separadas, tenham a
oportunidade de mais uma vez, talvez a última, se avistarem. Mais do que isso,
este desanuviamento remete a uma reflexão em torno das suas implicações nas
relações intra-coreanas: será esta uma oportunidade para a reunificação?
Estarão as grandes potências interessadas numa Coreia reunificada?
Da
parte dos coreanos parece haver clareza sobre a sua vontade de ver o país
reunificado. Mesmo ao nível das lideranças essa parece ser também a vontade: o governo
do Sul possui um Ministério específico responsável por estudar os caminhos para
a reunificação; Kim Jong-un tem dito que o empecilho para a normalização das
relações intra-coreanas, e da eventual reunificação, tem sido o facto de o Sul
ser subserviente aos EUA.
A reunificação
parece não ser vista com “bons olhos” pelas grandes potências. Uma Coreia
reunificada pode significar a emergência de uma terceira força no jogo pelo
domínio do sistema internacional, se se considerar que os adversários pela
hegemonia são os EUA (em declínio) e a China (em ascensão). Dados do Goldman
Sachs indicam que uma Coreia reunificada pode ultrapassar o Japão ou a Alemanha
em tamanho e influência, países que no ranking das economias mais ricas ocupam
o terceiro e quarto lugares, respectivamente. A reunificação significaria a combinação
de minerais e mão-de-obra barata em abundância do Norte com a evoluída e já
estabelecida, mas importadora de matérias-primas, indústria do Sul. Se à dimensão
económica se acrescer a dimensão militar, que inclui armas nucleares, do Norte,
ter-se-ia uma grande potência com possibilidades de almejar o estatuto de
potência dominante.
Dos
cálculos do anterior parágrafo dá para perceber a vontade das grandes
potências, especialmente os EUA e a China, não quererem abdicar do “controlo”
que exercem sobre as coreias, especialmente a intenção de desnuclearizar a
Península. A sua reunificação com as capacidades económicas do Sul e militares
do Norte pode “baralhar” o balance of
power (equilíbrio de poder) que se verifica no sistema internacional. Aos
EUA, que estão empenhados em impedir que a China ou outra potência os suplante
no topo da hierarquia de poder no sistema, não interessa ver emergir mais uma
“dor de cabeça”. À China, que almeja suplantar os EUA em status no sistema, não interessa ver um concorrente do outro lado
da sua fronteira. Estas são algumas contas em jogo para “o dia que as coreias
se reunificarem”.
Artigo publicado no Jornal Domingo. Disponível em http://www.jornaldomingo.co.mz/index.php/internacional/10797-o-dia-em-que-as-coreias-se-reunificarem
Artigo Publicado no Jornal Domingo. Disponível em http://www.jornaldomingo.co.mz/index.php/internacional/10797-o-dia-em-que-as-coreias-se-reunificarem
Artigo Publicado no Jornal Domingo. Disponível em http://www.jornaldomingo.co.mz/index.php/internacional/10797-o-dia-em-que-as-coreias-se-reunificarem
domingo, 16 de setembro de 2018
TPI: O Tribunal que Não Deve Tocar “Criminosos” das Grandes Potências
O conselheiro de Segurança
Nacional do presidente dos Estados Unidos da América (EUA), John Bolton,
avisou, no passado dia 10 de Setembro, aos juízes do Tribunal Penal
Internacional (TPI) para não se atreverem a chamar potenciais “criminosos”
norte-americanos para aquela instituição, sob pena de serem julgados e
condenados em tribunais dos EUA. A ameaça de Bolton vem a propósito de o TPI,
instituição responsável por investigar, julgar e, eventualmente, condenar
indivíduos acusados de cometer crimes de guerra, crimes contra a humanidade e
genocídios, ter anunciado estar disposta a investigar os crimes que o exército
dos EUA e a Agência Central de Inteligência (CIA) são acusados de ter cometido
nas prisões secretas que controlam no Afeganistão. A reacção dos
norte-americanos, por um lado, confirma a ideia de que as instituições
internacionais são somente úteis quando satisfazem os interesses das grandes
potências no sistema internacional e, por outro, confirma o receio dos críticos
de que o Tribunal foi criado para policiar os Estados “fracos”, principalmente
do continente africano.
Iniciando pelo argumento
da (in)utilidade do TPI para as grandes potências, esta não é a primeira vez
que o tribunal é “desacreditado” em torno de investigações de casos de crimes
cometidos por indivíduos de uma grande potência. No contexto da invasão anglo-americana
ao Iraque, algumas figuras de proa, como o arcebispo sul-africano Desmond Tutu,
sugeriram que George W. Bush e Tony Blair, antigos Presidente dos EUA e
Primeiro-Ministro da Grã-Bretanha, respectivamente, deviam ser apresentados à
barra do tribunal. Um tribunal de Kuala Lumpur chegou mesmo a julgar e condenar
os dois líderes a revelia. Porém, o TPI nada fez mesmo em face de acusações de
todos os quadrantes sobre as “inverdades engendradas” pelos dois líderes – por
exemplo sobre a posse, pelo Iraque, de armas de destruição em massa – para
invadirem o Iraque. A invasão terá resultado na destruição do país e na matança
de milhões de iraquianos.
No caso que está agora nas
manchetes dos jornais internacionais os americanos pretendem alcançar dois
interesses. Em primeiro lugar, a ameaça ao TPI tem em vista dissuadir os seus
juízes a prosseguir com investigações de eventuais crimes cometidos por pessoal
norte-americano destacado no Afeganistão. A este respeito os norte-americanos
ameaçam congelar bens e propriedades que estejam nos EUA ou verbas monetárias
que estejam no circuito financeiro por si controlado. No seu discurso
dramático, Bolton chegou mesmo a declarar a “morte do TPI”.
Em segundo lugar, a
advertência dos EUA é feita para a protecção do Estado de Israel, seu aliado
natural. Aliás, os EUA estão tão empenhados em proteger Israel que procuram,
sempre que possível, silenciar e enfraquecer o “inimigo” do Estado Judeu – a Organização
para a Libertação da Palestina (OLP). Ao insurgir-se contra o TPI, Bolton,
corroborado pela porta-voz da Casa Branca, fez saber que os EUA estão dispostos
a usar “quaisquer meios necessários” para proteger seus cidadãos, de Israel ou
de outros aliados. Sucede que a OLP está a encetar diligências para submeter ao
TPI uma queixa contra Israel, acusando este Estado de estar a cometer crimes na
Faixa de Gaza. Como que a evidenciar a materialização da expressão “uso de quaisquer
meios necessários”, o conselheiro anunciou o encerramento da representação
diplomática da OLP em Washington.
A reacção dos EUA, e das
grandes potências no geral, tem também o efeito de confirmar os receios dos
críticos à actuação do TPI em dois aspectos. Primeiro, as actuais maiores
potências do sistema internacional – EUA, Rússia e China – não são membros do
tribunal. No entanto, um dos requisitos para a credibilidade e funcionamento
dos regimes e das instituições internacionais é precisamente a adesão e
engajamento das grandes potências.
Segundo, quando o tribunal
pretende investigar e julgar acusações de crimes contra indivíduos das grandes
potências, tal é o caso dos EUA, estas ou não colaboram ou ameaçam a
integridade física e psicológica dos juízes. Entretanto, quando os casos a
serem apresentados ao tribunal são de países relativamente fracos,
principalmente de África, os casos são investigados, mandatos internacionais de
captura são emitidos e os acusados são julgados e condenados. Por exemplo, dados
de Novembro de 2016 mostravam que estavam sob investigação 10 casos, dos quais
9 de crimes alegadamente cometidos por indivíduos de e em países africanos. Dados
gerais mostravam que contra indivíduos africanos o TPI indiciou 39, emitiu
mandatos de captura contra 31 e instaurou processos contra 22.
Artigo publicado no Jornal Domingo. Disponível em http://www.jornaldomingo.co.mz/index.php/internacional/10762-tpi-o-tribunal-que-nao-deve-tocar-criminosos-das-grandes-potencias
domingo, 9 de setembro de 2018
Os Milhões de Dólares da China para África – Presente Envenenado?
Terminou,
no passado dia 4 de Setembro, a Cimeira China-África em que os chineses mais
uma vez predispuseram-se a “gastar” vários milhões de dólares em África. O que
as lideranças africanas vêm como uma bênção para ultrapassar os problemas de
subdesenvolvimento, os críticos, particularmente do Ocidente, alertam que as
investidas chinesas em África carregam consigo uma espécie de “presente
envenenado”. Esta natural discordância entre os apoiantes e os retartadários da
presença da China em África pode ser lida sob três prismas: o das lideranças
africanas e seus apoiantes; o dos retartadários da expansão do poder da China
na economia política global; e o dos cautelosos.
No
prisma das lideranças africanas o aumento da “bondade” chinesa é um alívio em
relação às “complicadas” relações com os tradicionais parceiros do Ocidente.
Enquanto os ocidentais querem “intrometer-se” nos assuntos internos dos Estados
africanos ao conceder empréstimos, os chineses advogam o estrito respeito da
soberania dos Estados. O acesso a empréstimos de instituições financeiras
ocidentais é condicionado ao cumprimento de determinados requisitos políticos,
inclusive na definição de prioridades nas agendas nacionais de desenvolvimento.
O acesso aos empréstimos chineses, por seu turno, é considerado mais amigável
por ser uma questão de business as usual,
ou seja, os Estados aplicam as verbas concedidas nos sectores que considerarem
prioritários desde que cumpram com as suas obrigações na devolução das somas
recebidas.
As
lideranças africanas e os seus apoiantes acreditam que a relação com a China é
reflexo de uma “cooperação win-win”
(ganha-ganha) rumo à edificação de uma “comunidade de destino comum”. Nessa
base, a expansão da China é interpretada como a emergência de uma “nova ordem
económica mundial”, provavelmente equiparável àquela que era exigida pelos
países do Terceiro Mundo nas décadas de 1970 e 1980.
No
prisma dos detractores da ascensão da China na economia política global
enquadram-se os conservadores, aqueles que são resistentes à mudança nas
relações internacionais, que são apologistas da manutenção do status quo. Ou seja, os políticos ou
analistas pró-ocidentais, que querem continuar a ver o Ocidente como o “guia”
da economia política global, vêm em tudo que a China faz em Áfria uma ameaça ao
poder ocidental. Portanto, eles consideram os empréstimos chineses como
contrários às normas de convivência de uma sociedade “civilizada”, por
supostamente não respeitarem os valores da democracia liberal e dos direitos
humanos. Aliás, os detractores consideram que a “bondade” chienesa está a levar
alguns países a um nível de endividamento tal que, eventualmente, os africanos
podem ser “controlados” pelos chineses caso não sejam capazes de honrar com os
seus compromissos em relação às dívidas.
Em
função dos argumentos apresentados no parágrafo anterior, os detractores
aconselham os africanos a consolidar mais as relações com os tradicionais
parceiros do Ocidente, por estas garantirem “maior transparência” e respeito pelos
direitos humanos. Aliás, segundo esta posição, se os africanos continuarem a
apostar na China para resolver os seus problemas correm o risco de se tornarem
dependentes daqueles.
No terceiro
prisma, o dos cautelosos, situam-se aqueles que procuram encontrar os méritos e
os deméritos dos dois anteriores prismas. Este prisma reconhece tanto os
potenciais benefícios da consolidação das relações China-África, como também os
riscos de uma eventual “colonização chinesa de África”. Por essa razão, os
cautelos aconselham os africanos a receber os “presentes” chineses com cautela
para, por um lado, alavancar o desenvolvimento do continente, ao mesmo tempo
que, por outro, mitigam os efeitos negativos do referido “presente envenenado”.
A
terminar este artigo, nos cautelosos pode dizer-se que se enquadram aqueles que
consideram que a ascensão da China é benéfica para África. Porém, isso não
significa que o continente africano deve abandonar ou marginalizar as suas
relações com os tradicionais parceiros do Ocidente. O significado disto é que
os “milhões de dólares chineses” são uma oportunidade para África não depender
somente das instituições controladas pelo Ocidente. Portanto, o aparecimento de
novos polos de poder económico, como a China ou outros, dá aos africanos uma
acrescida “capacidade negocial” no relacionamento com os diferentes parceiros
económicos para o acesso a financiamentos para as suas agendas de
desenvolvimento.
Artigo publicado no Jornal Domingo. Disponível em http://www.jornaldomingo.co.mz/index.php/internacional/10723-os-milhoes-de-dolares-da-china-para-africa-presente-envenenado
segunda-feira, 3 de setembro de 2018
Nações Unidas Dão Nota Positiva ao Irão
A Agência Internacional
de Energia Atómica (AIEA), o braço das Nações Unidas responsável por monitorar
as actividades de enriquecimento de urânio do Irão, deu nota positiva ao Irão e
afirma que a República Islâmica está a cumprir com as suas obrigações. Num
relatório publicado no passado dia 30 de Agosto, a AIEIA confirma que o Irão
“manteve os níveis de enriquecimento de urânio” tal como estipulado no Acordo
Nuclear assinado em 2015. O ainda engajamento do Irão sobre acordo pode ser
lido sob três perspectivas: uma relativa ao próprio Irão, uma relativa aos EUA
e uma relativa à comunidade internacional no geral.
O cumprimento do acordo
nuclear por parte do Irão pode ser explicado por motivações estratégicas
tendentes a retirar o país do “isolamento”. Desde a Revolução Islâmica de 1979
houve sempre a tentativa de o país ser considerado um pária. A conjugação da
revolução islâmica, do desenvolvimento do programa nuclear e das acusações de
apoiar grupos terroristas levaram ao seu isolamento e, até, à imposição de
sanções sobre o país. O Irão chegou mesmo a ser rotulado como sendo do eixo do
mal. Portanto, o cumprimento de um acordo que foi promovido pelos EUA e pelas
outras grandes potências do sistema internacional não só possibilita a retirada
da rotulagem negativa ao país, como também abre espaço para o alívio das
sanções económicas.
A subida de Trump ao
poder fez, contudo, retroceder as aspirações iranianas referidas no parágrafo
anterior. Os EUA não só “rasgaram” o acordo nuclear iraniano, como também
re-impuseram as sanções económicas. Porém, os iranianos mantiveram-se firmes no
cumprimento do que foi acordado. Esta postura pode ser explicada, por um lado,
pela necessidade de o Irão mostrar ao mundo que, afinal, tem vindo a ser “injustiçado”
e que o problema no programa nuclear não é o Irão mas sim os EUA. Mantendo-se
no acordo o Irão passa a mensagem de que é um fiel cumpridor das normas
internacionais. Por outro lado, o Irão aproveita-se dos “desentendimentos”
entre as potências ocidentais para poder encontrar parceiros alternativos para
a satisfação dos seus interesses. Aliás, os actores da União Europeia já se
mostraram favoráveis em continuar a implementar o acordo nuclear mesmo sem os
EUA.
Na perspectiva relativa
aos EUA, a sua decisão “solitária” em abandonar o acordo nuclear pode ser vista
sob duas dimensões. Primeiro, “o tiro saiu pela culatra para a administração
Trump”. O actual governo da Casa Branca ainda acreditava que qualquer comando
seu o resto do mundo seguiria às cegas. O presidente dos EUA nunca acreditou, e
talvez ainda não acredita, que os seus “obedientes” aliados da União Europeia
poderiam lhe “abandonar”. A verdade, porém, é que os aliados não só lhe
abandonaram como também começam já a “ensaiar” discursos europeístas de
segurança. (Voltando a retóricas gaulistas do século passado, o presidente
francês disse recentemente que “a Europa não deve depender somente dos EUA para
garantir a sua segurança”).
A segunda dimensão desta
perspectiva é que o problema da administração Trump pode não estar
necessariamente no acordo nuclear mas sim na sua vontade de ver uma mudança de
regime no Irão. À excepção dos EUA, todos os outros intervenientes do acordo
nuclear mantêm-se firmes na sua implementação. O relatório da AIEA confirma que
o Irão não elevou os níveis de enriquecimento de Urânio. A comunidade
internacional, no geral, não só apoia o Acordo como também virou as costas aos
EUA sobre esta matéria. Portanto, a outra explicação aceitável para esta
postura é que a re-imposição das sanções tem em vista desestabilizar
economicamente a república islâmica na expectativa de, com as dificuldades
económicas, o povo revoltar-se contra o seu governo para forçar uma mudança de
regime. A acontecer isso, os EUA não só se “livrariam” de uma “dor de cabeça”
de quase três décadas, como também aliviaria os receios de segurança do seu
aliado Israel.
A última perspectiva, a
da comunidade internacional, consiste em analisar o nível de resiliência dos
actores relevantes do sistema internacional. Rebuscando o raciocínio avançado
na página Olhando Mundo da edição
passada do Jornal Domingo, os contornos da tentativa de desmantelamento do
acordo nuclear iraniano são mais um teste ao argumento da teoria de estabilidade hegemónica. Os EUA pretendem impor a sua
vontade sobre os outros parceiros signatários do acordo. Os outros parceiros
procuram alternativas para minimizar o impacto do unilateralismo dos EUA. Portanto,
a redefinição da hegemonia corrente ou definição de uma nova vai depender da
resiliência de cada uma das partes em impor a sua vontade sobre os outros no
sistema internacional.
terça-feira, 28 de agosto de 2018
EUA de Trump: A Hegemonia em “Queda Livre”
A Teoria de Estabilidade
Hegemónica (TEH) defende que a abertura comercial e estabilidade do sistema
internacional são dependentes da existência de um Estado hegemónico. O Estado
hegemónico promove a estabilidade fomentando o estabelecimento de regimes
internacionais que garantam que as expectativas dos diferentes actores do
sistema convirjam numa determinada área do sistema internacional. Depois da II
Guerra Mundial os EUA desempenharam tal papel ao ter promovido o
estabelecimento das Instituições de Bretton Woods. Porém, desde a década de
1970 esta posição de hegemonia tem sido questionada, e a actuação “errática”
dos EUA de Donald Trump declarando guerra comercial contra a China e outros
Estados coloca o estatuto de potência hegemónica em “queda livre”.
Para ser uma potência
hegemónica o Estado deve possuir capacidade
e vontade para providenciar liderança
no sistema, que se manifesta na promoção de bens públicos internacionais. A
estes dois requisitos deve-se acrescer um terceiro, que é o reconhecimento, pelas outras grandes
potências do sistema, de que o comportamento e as políticas da hegemonia são
benéficos aos seus interesses. Portanto, na ausência de uma potência
hegemónica, ou se a hegemonia se encontra em decadência, a TEH prescreve que a
abertura comercial e a estabilidade do sistema internacional são mais difíceis
de alcançar.
Analisando o caso da
ainda considerada potência hegemónica nota-se que, no que diz respeito às capacidades, os EUA continuam a manter,
pelo menos em termos absolutos, o estatuto de maior economia mundial. No
entanto, a sua posição tem mostrado uma tendência decrescente ao longo do
tempo, se comparada com outras potências em ascensão, principalmente a China.
Aliás, um dos principais alvos das guerras comerciais é aquele gigante asiático
que, por seu turno, ao aumento de tarifas para seus produtos responde também
impondo barreiras contra produtos provenientes dos EUA.
As guerras comerciais
declaradas pelos EUA têm em vista forçar os outros Estados, a China em
particular, a mudar alguns aspectos nas suas políticas comerciais. A
expectativa é que a imposição de barreiras estrangule as economias desses
países de modo a que façam cedências em função dos interesses norte-americanos.
Porém, as dificuldades económicas que se esperam que sejam sentidas nas
economias dos atacados podem ser sentidas igualmente nas daqueles que atacam.
Aliás, no caso da guerra económica com a China esta tem também imposto medidas
retaliatórias proporcionais às dos EUA.
No que diz respeito à vontade, os EUA continuam a mostrar a
vontade de providenciar liderança nos grandes assuntos que afectam a
estabilidade do sistema internacional. Porém, a demonstração de tal vontade é
feita de uma forma “maligna”, no sentido de a hegemonia ser a primeira a violar
os acordos por si promovidos e assinados. No âmbito do comércio internacional,
por exemplo, os EUA, depois de promoverem a assinatura da Parceria
Trans-Pacífica (PTP), Trump recusou-se a ratificar o acordo que previa o livre
comércio entre os seus membros. De seguida, os EUA entraram na campanha de
guerras comerciais aumentando barreiras comerciais tanto contra adversários
como contra inimigos.
Tal como a capacidade, a vontade dos EUA está também a ser questionada e desafiada. No caso
da PTP, os outros Estados ao invés de abandonar o acordo decidiram estabelecer
um alternativo, mas que contempla a maioria das provisões daquele. Em outros
acordos, como o Acordo Nuclear Iraniano, os EUA abandonaram-no e ameaçam
qualquer Estado que estabeleça relações comerciais com o Irão. Porém, o
“comando de Trump” não foi obedecido nem pelos seus parceiros tradicionais da
União Europeia, nem pelos seus adversários do leste europeu ou da Ásia.
Por fim, as guerras
comerciais de Trump deitaram para o “caixote de lixo” o nível de reconhecimento que as outras grandes
potências do sistema tinham sobre os EUA. De todos os cantos do mundo surgem
críticas sobre o cometimento dos EUA aos acordos internacionais. O timoneiro da
Casa Branca é visto como sendo tão imprevisível que não se pode confiar para
liderar e manter a abertura comercial que é necessária para a estabilidade do
sistema internacional. É por essa razão que, por exemplo, os parceiros da UE
não só se comprometeram a manter-se no Acordo Nuclear Iraniano, como também
estudam formas de proteger as suas empresas das sanções dos EUA. Por outro
lado, os adversários chineses não só procuram fortalecer os laços ao nível dos
BRICS, como também vão “namorando” os europeus sobre a possibilidade de encontrar
novas formas de fazer comércio sem ter de depender dos EUA.
Artigo publicado no Jornal Domingo. Disponivel em http://www.jornaldomingo.co.mz/index.php/internacional/10670-eua-de-trump-a-hegemonia-em-queda-livre
Artigo publicado no Jornal Domingo. Disponivel em http://www.jornaldomingo.co.mz/index.php/internacional/10670-eua-de-trump-a-hegemonia-em-queda-livre
quinta-feira, 23 de agosto de 2018
Lula da Silva para Presidente: Justiça e Vontade Popular Desavindas?
As sondagens em torno
das eleições presidenciais de 7 de Outubro próximo indicam que Lula da Silva,
antigo presidente do Brasil, vencerá se concorrer. Ele aparece como favorito em
todas as sondagens, com um terço das intenções de voto, o que constitui o dobro
de qualquer outro candidato. Porém, tudo indica que a Justiça Brasileira não
vai autorizar que Lula da Silva seja uma das opções que os eleitores irão
encontrar nas urnas no dia da votação.
A contradição aparente
resulta do facto de Lula da Silva estar a cumprir uma sentença de doze anos de
prisão por corrupção e lavagem de dinheiro. O antigo presidente nega todas as
acusações, mas a justiça brasileira, embora o caso não tenha chegado ao fim,
continua a manter o ex-presidente preso.
Quando foi condenado em
Janeiro de 2018, Lula da Silva pediu ao seu partido, o Partido Trabalhista
(PT), que indicasse um outro nome para concorrer. Porém, o PT continuou a
reiterar que à candidatura de Lula não havia “Plano B”. Sendo coerente aos seus
pronunciamentos ao longo dos meses de batalhas legais de Lula, e com
manifestações a seu favor à mistura, os líderes do PT dirigiram-se, no passado
dia 15 de Agosto, ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e formalizaram o nome de
Luís da Silva como candidato nas eleições presidenciais. Na ocasião estiveram
presentes mais de dez mil apoiantes do antigo presidente.
Pouco tempo depois da
submissão da documentação, a Procuradora-Geral do Brasil intentou uma acção
impugnatória contra a candidatura. Na visão da “Justiça Brasileira”, a “Lei da
Ficha Limpa” torna inelegível, por oito anos, um candidato que tiver o mandato cassado,
renunciar para evitar a cassação ou for condenado por decisão de um órgão
colegial, mesmo que ainda exista a possibilidade de recursos.
O imbróglio criado em
torno da elegibilidade de Lula da Silva pode ser lido em três dimensões. Na
primeira dimensão, o PT provavelmente acredita genuinamente que Lula poderá ser
absolvido e, com isso, concorrer nas eleições. Uma decisão neste sentido quase
que garante o regresso dos trabalhistas à presidência do Brasil, pois as
intenções de voto estão a favor do ex-presidente. Pode juntar-se a este
argumento o facto de, na altura da sua condenação, as autoridades policiais terem
tido dificuldades de encaminhar Lula aos calabouços. Isto deveu-se à moldura
humana que estava em torno de si e que clamava por “justiça”. Lula teve que
entregar-se voluntariamente para ser conduzido à prisão.
A segunda dimensão é que
o registo de Lula como candidato pode ser uma jogada estratégica do PT, no
sentido de conseguir o sub judice (um
conceito jurídico que significa que o processo está ainda em julgamento ou
aguarda decisão). Com efeito, a indicação de Lula abre uma batalha judicial que
pode levar tempo até a decisão final. O prazo para o TSE decidir sobre quem
pode concorrer é o de 17 de Setembro. Caso se decida negativamente, o PT pode
recorrer ao Supremo Tribunal Federal. Assumindo que este também necessitará de
estudar o caso e se posicionar, o PT pode estar com candidatura em sub judice. Isso dá ao partido a
possibilidade de indicar um substituto de Lula. Para tal pode recorrer-se a Fernando
Haddad, actual presidente do município de São Paulo que consta na candidatura
como vice-presidente de Lula. Haddad poderá usar o tempo para “colar” o seu no
ao de Lula e, em campanha, se fazer conhecer em todo o país.
A terceira dimensão é aproveitar-se
do sub judice para usar a “cartada de
vitimização”. Para já, a “questão Lula” já está nos holofotes. O debate poderá
ser dominado em torno da justiça ou não no afastamento do ex-presidente na
corrida presidencial. O PT pode tentar convencer os brasileiros de que a
condenação de Lula tem um cunho político e não judicial. A isto poderá acoplar
a forma como a presidente Dilma Roussef, membro do PT, foi removida do poder. O
partido tentará passar a imagem de que tudo foi uma trama da “direita” contra a
“esquerda” e, assim, tentar amealhar os votos necessários para voltar a
governar.
Israel Legaliza a “Discriminação à Moda do Nazismo e do Apartheid”
Num mundo em que se
defendem os direitos das minorias, o governo israelita aprovou uma lei que considera
que 25% (perto de dois milhões) dos seus cidadãos não são nacionais do Estado
de Israel. O país possui pouco menos de 9 milhões de habitantes, 75% dos quais
judeus, 21% árabes e 4% de outras pequenas minorias. A controversa lei foi
aprovada em Julho pelo Knesset (parlamento israelita), mas alguns partidos da
oposição e as diferentes minorias contestam-na, por considerarem que a mesma se
equipara às leis de estratificação étnica e racial que caracterizaram a
Alemanha do período Nazi e a África do Sul do Apartheid.
A tentativa de ver
legitimada a histórica Palestina (parte dela hoje Israel) como terra (ou
Estado) do povo judeu já vem desde o período do nacionalismo judaico
(sionismo). Já em 1922, pouco depois da incorporação da Declaração Balfour ao
mandato britânico sobre a Palestina, o líder Sionista, Chaim Weizman, havia
anunciado que pretendia “tornar a Palestina tão Judaica como a Inglaterra é
Inglesa”. A resultante escalada de animosidades entre as comunidades árabe e
judaica da Palestina levou a Grã-Bretanha a publicar um “Livro Branco” que
rejeitava as intenções dos judeus.
Nas duas décadas seguintes
a potência mandatária procurou equilíbrio entre as intenções de os judeus possuírem
um Estado próprio sem prejudicar os direitos dos árabes e outras etnias da
Palestina. A própria resolução 181 das Nações Unidas (1947), que possibilitou o
estabelecimento do Estado de Israel, criava salvaguardas para a defesa dos
direitos das minorias em cada um dos Estados a serem criados. Aliás, na
Declaração da Independência de Israel existe uma cláusula que advoga a
“igualdade dos direitos sociais e políticos de todos os habitantes
independentemente da sua religião, raça ou sexo”.
A aprovação da lei vai contra
normas internacionais de não discriminação e confirma as suspeitas dos críticos
de que Israel não está interessado em viver em paz com os palestinianos. Três
ilações podem ser retiradas em torno da aprovação da lei. Primeiro, a lei dá
argumentos válidos àqueles que acusam os judeus de estar a instaurar um regime
com características do nazismo e do apartheid. Ao considerar que Israel é a “nação-Estado
do povo judeu”, a lei estipula basicamente que os judeus são “superiores” a
qualquer outro grupo étnico e religioso do país. Isto é ainda confirmado com a
revogação do estatuto do árabe como língua oficial.
Segundo, a relação entre
os judeus e os árabes pode deteriorar-se ainda mais. Por um lado, 21% da
população israelita é árabe mas se considera cidadã do Estado. Nessa base,
procurou sempre viver em harmonia com os seus concidadãos judeus. A retirada do
seu estatuto de cidadãos, ou transformação para cidadãos de segunda categoria,
pode levar estes a tomar atitudes de muitos árabes que vivem na Palestina. Ou
seja, poderão abraçar o sentimento radical de que Israel é a única raiz da situação
caótica que os palestinianos vivem e, com isso, tornarem-se “presas fáceis” aos
discursos de islamitas radicais que advogam a necessidade da destruição do
Estado de Israel.
Por outro lado, a lei
pode ser uma arma poderosa a ser usada pelos palestinianos para, primeiro,
ganhar simpatias da comunidade internacional e, segundo, para os grupos
radicais intensificarem seus ataques com apoio de eventuais árabes israelitas
descontentes. Neste cenário, portanto, Israel arrisca-se a colocar em causa a
sua própria segurança.
Uma última análise que
se pode fazer é em torno das razões da aprovação da lei pela coligação
governamental. Aliás, partidos judeus da oposição parlamentar, como o de Tzipi
Livni, mostravam-se favoráveis ao dispositivo, mas insistiam que se devia
acrescentar o comprometimento à “igualdade de todos os cidadãos”. Na visão da
oposição, se a lei previsse isso, os resultados da votação não seriam tão
apertados como foram. Porém, aqui se encontra o cerne da possível razão que
levou à intransigência do governo de Netanyahu. Por estar-se a aproximar o
período de eleições, ao governo interessava mesmo que a lei fosse aprovada
pelos deputados da coligação governamental e rejeitada pela oposição. Desse
modo, os partidos governantes ficam, aos olhos dos cidadãos, como aqueles que
realmente se preocupam em defender os interesses dos judeus.
sexta-feira, 10 de agosto de 2018
Expropriações de Terra na África do Sul: Correcção de uma Injustiça Histórica?
O Presidente da
África do Sul, Cyril Ramaphosa, anunciou no dia 31 de Julho que o Congresso
Nacional Africano (ANC) vai avançar com os planos de emendar a constituição
para permitir a expropriação da terra sem compensar os proprietários. O plano é
visto, pela maioria da população do país, como um avanço para a correcção de
injustiças históricas na distribuição de terras, mas tem potencial também de
prejudicar a economia sul-africana. Em 2016 já tinha sido aprovada uma lei de
expropriação, mas esta previa a compra compulsória de terras para redistribuir.
O plano do ANC é explicitar o artigo 25 da constituição que, enquanto alguns
sustentam que permite a expropriação sem compensações, outros dizem o
contrário.
O problema da terra
no país do Rand foi criado pelo regime segregacionista do apartheid. Uma Lei de Terras aprovada em 1913 dividiu o país em
áreas para brancos e para negros, tendo criado a realidade de a maior parte da
terra, e a mais fértil, estar concentrada na população branca do país, que
constitui a minoria. Mais de duas décadas após o fim do apartheid o cenário
permanece o mesmo e isso tem sido motivo de contestação política e discursos
inflamatórios.
No seu discurso,
Ramaphosa referiu que a reforma da terra é de uma “importância crítica” para a
economia do país. Porém, o plano traz consigo diferentes interpretações e
potenciais implicações adversas. Embora seja evidente que há uma desproporção
na distribuição da terra, alguns analistas acreditam que o plano foi desenhado
por Ramaphosa com a intenção de granjear simpatias nalgumas facções dentro do
ANC que ainda não se curvam a ele.
A população
negra do país recebe o anúncio com júbilo, pois vê na reforma a tentativa de “devolução”
de um direito inalienável. Aliás, o ANC encontrou um “aliado forte” no
parlamento: o Partido dos Lutadores pela Liberdade Económica de Julius Malema,
que já havia submetido uma moção, aprovada, no sentido de haver expropriações
sem compensação. A expropriação pode ser vista como pertinente e necessária
para que sejam corrigidas as injustiças resultantes das várias décadas de
vigência do regime do apartheid. Com o plano pode-se fazer uma redistribuição
mais equitativa da terra entre os cidadãos sul-africanos.
Aplaudida pela
maioria da população sul-africana, a intenção do ANC cria algum medo nos
agricultores brancos, nos investidores e na “comunidade internacional”. Os
agricultores brancos receiam perder as suas terras, que são a fonte do seu
sustento e sem serem compensados. Além disso, há a dúvida em torno das
habilidades técnicas dos novos donos de terra para manter ou mesmo elevar os
níveis de produção e de produtividade agrícolas.
Os investidores
temem que a expropriação seja um prejuízo para economia do país. a este
respeito uma das questões que se pode levantar é se, numa sociedade em que a
economia continua a ser grandemente dominada pela minoria branca, os novos
donos de terra terão o capital necessário para continuar a assegurar a
sustentabilidade do sector agrário?
A “comunidade
internacional” teme a repetição da crise vivida no vizinho Zimbabwe, quando este
país implementou reformas da terra. A este respeito, quando o debate sobre a
expropriação sem compensação começou a intensificar-se, houve países ocidentais
(como o Canadá e a Austrália) que se prontificaram em receber os agricultores
brancos que fossem eventualmente afectados.
Portanto, o
sucesso da correcção da injustiça histórica relativa à distribuição da terra
está condicionada à tomada de medidas que, por um lado, garantam que haja uma
redistribuição da terra pela população negra sem, por outro lado, prejudicar os
agricultores brancos, nem retrair o investimento ou ainda alarmar a comunidade
internacional.
Artigo publicado no Jornal Domingo. Disponível em http://www.jornaldomingo.co.mz/index.php/internacional/10535-expropriacoes-de-terra-na-africa-do-sul-correccao-de-uma-injustica-historica
Donald Trump “Rasga” o Acordo Nuclear Iraniano: E Mais uma Vez se Prova a Irrelevância dos Regimes Internacionais
Na
discussão entre realistas e liberais há uma divergência sobre a relevância dos
regimes internacionais (direito internacional) nas relações internacionais.
Enquanto os realistas os consideram irrelevantes, pelo menos enquanto não
satisfizerem os interesses das grandes potências, os liberais consideram-nos pedras
angulares para a melhoria do relacionamento internacional. A recente decisão de
Donald Trump, presidente dos EUA, em abandonar o Acordo Nuclear Iraniano
confirma, mais uma vez, a tese realista da irrelevância dos acordos
internacionais ou mesmo das organizações internacionais.
Oficialmente
designado Plano de Acção Conjunto Global, o acordo foi assinado em 2015 entre
os cinco membros do Conselho de Segurança mais a Alemanha (P5+1) e o Irão. A
assinatura do acordo ocorreu depois de vários anos de discórdia, em que a
“comunidade internacional” acusava o Irão de estar a desenvolver programa com o
fim de produzir armas nucleares. O Irão, por seu turno, afirmava, de forma
reiterada, que o seu programa era pacífico. Devido à tensão criada entre as
posições de divergência, a “comunidade internacional” impôs sanções económicas
àquele país do Médio Oriente.
A
14 de Julho de 2015 chegou-se a acordo sobre o Plano de Acção, o qual foram
estabelecidas medidas para garantir que o Programa Nuclear Iraniano seja
pacífico. O acordo possui cinco anexos, cada um dos quais relativo a um
conjunto de compromissos de ambas as partes para o alcance do objectivo
pretendido. Basicamente, enquanto o Irão se comprometia a cumprir com as
exigências da “comunidade internacional” sobre o seu programa, esta também
prometia levantar as sanções económicas que afectavam a economia iraniana.
Depois
de a Agência Internacional de Energia Atómica ter afirmado que o Irão estava a
cumprir com as medidas prescritas no Plano de Acção e do Secretário de Estado
dos EUA ter confirmado a verificação da Agência, os EUA e a União Europeia
começaram a levantar as sanções ao Irão.
O
relaxamento das tensões entre o Irão e os EUA durou, entretanto, enquanto
esteve na Casa Branca o presidente Barak Obama. Durante a sua campanha à
presidência dos EUA, Donald Trump havia prometido “desmantelar o desastroso
acordo com o Irão”. Assim que foi eleito, o presidente “declarou guerra” ao acordo
e vários outros acordos internacionais que, na sua visão, são prejudiciais aos
interesses dos EUA.
Os
EUA “rasgaram” o acordo nuclear ao abandonarem-no. Esta acção unilateral é uma
violação do direito internacional, num caso que tinha até merecido resoluções
das Nações Unidas. Nem mesmo os apelos dos parceiros tradicionais dos EUA, a
União Europeia, foram bastantes para que Trump retrocedesse na sua decisão.
Aliás, o presidente dos EUA convidou-os a seguir o seu exemplo e até ameaçou
também impor sanções a qualquer empresa estrangeira que continue a fazer
negócios com o Irão.
A
saída dos EUA do acordo pode ser vista sob duas perspectivas: uma a nível
doméstico e outra a nível das relações internacionais. Na primeira perspectiva,
Trump mostra uma certa coerência na estratégia que adoptou desde a campanha
eleitoral para a presidência. Ele mostrou-se sempre contrário aos “ganhos” do
seu antecessor, de tal forma que, quando foi eleito, iniciou uma campanha de
desmantelamento do que tinha sido feito pelo presidente Barak Obama. Aliás, o acordo
nuclear iraniano tinha sido alcançado sob esforços de Obama.
A
segunda perspectiva é mais de relações internacionais, no sentido de que mais
uma vez se confirma o pressuposto realista sobre a irrelevância dos regimes e
das organizações internacionais. Embora o acordo tenha resultado da
concordância de todos os membros permanentes do Conselho de Segurança das
Nações Unidas + 1 e, por isso, se tenha tornado direito internacional, os EUA
não tiveram receio algum em abandoná-lo. E este abandono resulta, para além da
defesa dos seus interesses (que estão muito alinhados à pressão do seu aliado
natural da região do Médio Oriente, Israel), do seu poder relativo, no sentido
de que os outros membros da “comunidade internacional” nada farão contra si
para além de discursos condenatórios.
Artigo
publicado no Jornal Domingo http://www.jornaldomingo.co.mz/index.php/internacional/10237-trump-rasga-acordo-nuclear-a-irrelevancia-dos-regimes-internacionais
Subscrever:
Mensagens (Atom)