segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Emendas Constitucionais

Interminável Ambição de Exercício do Poder
Por Edson Muirazeque

Já nos alertaram os realistas de que o homem é por natureza egoísta e sua ambição é de alcançar o poder e dominar os outros. O comportamento de certas lideranças vem comprovar a validade desta tese. É impressionante que, mesmo depois de décadas no poder, algumas lideranças vêem a público defender a necessidade de instituir “presidências vitalícias” nos seus países. Em Abril de 2006 o líder líbio, dirigindo-se aos parlamentares africanos em Dakar, defendeu a necessidade de modificar os mandatos presidenciais para permitir aos chefes de Estado permanecer mais tempo no poder. De acordo com o líder líbio a “limitação dos mandatos presidenciais é um obstáculo ao desenvolvimento e ao bom funcionamento dos Estados do continente. O artigo que limita os mandatos dos presidentes é contrário aos princípios de democracia. Se o povo quiser manter durante muito tempo o seu presidente, porquê o impedir?”[1].

Curiosamente, este pronunciamento vem de alguém que está no poder há mais de duas décadas! Mas o caso de Kadhafi não é um caso isolado. Há tantos outros exemplos. No mesmo ano a presidência da Nigéria exigia a demissão do Vice-Presidente por este ter criticado publicamente a alegada intenção do então Presidente Olusegun Obasanjo disputar um terceiro mandato à frente do país[2]. Na altura circulavam rumores em torno de uma alegada intenção de se efectuar uma emenda constitucional que permitisse que o Presidente concorresse a um terceiro mandato. Entretanto, o então Vice-Presidente, Atiku Abubakar, opunha-se a esta posição, pois pretendia concorrer ao cargo. O curioso é que os dois tinham sido companheiros nas duas eleições anteriores para a eleição do primeiro.

Yoweri Museveni candidatou-se para um terceiro mandato, e venceu, após ter imposto uma alteração na constituição que limitava a dois mandatos seguidos a permanência no cargo. Frederik Chiluba tentou fazer o mesmo na Zâmbia mas não foi bem sucedido. Angola está actualmente a discutir uma proposta de revisão constitucional que impedirá que o Presidente seja eleito directamente pelo povo. Este ano o Presidente do Níger, Mamadou Tandja, submeteu a referendo, e conseguiu um sim, uma proposta de revisão constitucional que o permite que concorra para mais um mandato.

Há líderes que permanecem no poder mais de três décadas. Trinta anos no poder são praticamente uma vida inteira se tivermos em conta a média de esperança de vida em África! Ainda assim há líderes que defendem a não limitação do exercício do poder. Uma questão se coloca. Se pactuarmos por líderes vitalícios não estaremos a criar cargos de insubstituíveis? E mais, é o povo que quer que o líder permaneça por anos intermináveis no poder ou é a liderança que assim o deseja?

Esta sede de permanecer no poder é prova clara de que muitas lideranças ainda não estão preparadas para assumir os princípios democráticos que dizem abraçar. Kadhafi faz alusão à democracia no seu pronunciamento. Mas há um princípio chave que se deve respeitar ao se falar da democracia, ao menos quando falamos de democracia liberal. É o princípio da rotatividade do poder e respeito dos preceitos constitucionais. É claro que a rotatividade deve ser feita de acordo com a vontade popular, mas é igualmente prevista na constituição. Portanto, é imperioso que as lideranças mentalizem que podem ser substituídas e que os seus sucessores podem ter as mesmas ou maiores capacidades de governação que as suas, uma vez que o papel da liderança é servir o povo.

Uma das grandes desculpas que é usada para justificar a necessidade de permanecer mais tempo no poder é a do líder ter de terminar o seu programa de desenvolvimento traçado e apresentado na campanha eleitoral. Mas aqui temos um outro problema. Será que ao se candidatar o líder não estava consciente da limitação do mandato? Não terá previsto o que é possível fazer num mandato presidencial? Ou a vontade de permanecer no poder é maior?

Mais uma vez podemos dizer que certas lideranças ainda não estão preparadas para adoptar certos princípios democráticos. Adoptam tais princípios não porque o desejaram mas sim porque não tiveram escolha. Primeiro encontramos uma crise global que se vivia desde os anos 1960, agravada pelas crises do petróleo nos anos 1970, que afectou também os Estados africanos obrigando-os a adoptar os programas de ajustamento estrutural como uma estratégia para contê-la. Outro factor é o fim da guerra-fria e a “vitória” do liberalismo sobre o socialismo. Isto fez com que os Estados africanos deixassem de ter aquela protecção que possuíam durante a guerra-fria. Por estes e vários outros factores as lideranças africanas não tiveram mais opção senão recorrer ao apoio das maiores instituições financeiras internacionais, que por sinal eram dominadas pelos países capitalistas. Ao requerer o apoio destas instituições um dos condicionalismos exigidos era exactamente o da inclusão do princípio da limitação do mandato nas suas constituições.

Uma vez chegados ao poder não passa pela cabeça dos líderes de que findo o seu mandato devem desocupar o cargo. Daí a tentativa de emendar a constituição para ficar mais algum mandato no poder.

Nota: apesar de neste artigo refirir-me apenas às lideranças africanas, não significa que é só neste continente onde os líderes procuram perpetuar-se no poder.
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[1] http://www.panapress.com/freenewspor.asp?code=por030490&dte=05/04/2006
[2] Jornal Meia Noite, 11/04/06

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