quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Pragmatismo atrai diplomacia para Moçambique

Por PAULO DA CONCEIÇÃO
Maputo, Quinta-Feira, 26 de Novembro de 2009:: Jornal Notícias

O PRAGMASTISMO na condução da diplomacia tem sido determinante para o prestígio que Moçambique goza internacionalmente e, em particular, na região da SADC, no que respeita à resolução de conflitos. Como consequência, o país tem sido escolhido não só para integrar diversas missões de paz, como também para sede de resolução de conflitos, como ilustram os casos de Madagáscar e Zimbabwe.

No caso zimbabweano, a Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC) indicou como seu mediador o antigo presidente sul-africano Thabo Mbeki.

Apesar de Mbeki ter encontrado dificuldades para conduzir o processo negocial para solucionar a crise do Zimbabwe, por ter sido acusado por Morgan Tsvangirai, líder do MDC (Movimento para Mudança Diplomática) e uma das partes do conflito, de parcial na sua mediação, o antigo estadista sul-africano conseguiu que a 15 de Setembro de 2008 o MDC e a ZANU-PF (União Nacional Africana do Zimbabwe – Frente Popular) assinassem um Acordo Político Global (GPA).

Todavia, em Outubro último, Morgan Tsvangirai anunciou a retirada dos membros do Governo indicados pelo seu partido, acusando o Presidente Robert Mugabe de não cumprir com diversos pontos do acordo geral para a criação do Governo de unidade.

A decisão de Tsvangirai foi tomada após a detenção do indicado a vice-ministro da Agricultura proposto pelo MDC, Roy Benneth, um antigo fazendeiro, sob acusação de sabotagem e terrorismo.

Estas tensões “desviaram a rota das negociações” para a capital moçambicana, que teve que acolher no início do corrente mês de Novembro uma reunião da “troika” do órgão de Defesa e Segurança da SADC (que inclui Moçambique, Zâmbia e Suazilândia), liderada pelo Presidente moçambicano, Armando Guebuza, para discutir a crise política no Zimbabwe.

A “Cimeira de Maputo” culminou em tempo recorde (one day meeting) com um acordo no qual o MDC se comprometia a levantar o boicote, mediante a promessa do cumprimento do GPA pela ZANU – FP do Presidente Robert Mugabe.

A capital moçambicana foi igualmente escolhida para sede de negociações diplomáticas que visam solucionar a crise que eclodiu em Dezembro de 2008 em Madagáscar.

Também em Maputo foi conseguido um compromisso entre as partes malgaxes, para a realização de uma transição neutra, inclusiva, pacífica e consensual que vai preparar as eleições nas quais o povo terá a oportunidade de escolher os seus legítimos representantes.

As negociações de Maputo ocorreram depois de o Rei Mswati III, da Suazilândia, na qualidade de Presidente do órgão de Política, Defesa e Segurança da SADC, ter nomeado o antigo Presidente moçambicano, Joaquim Chissano, para mediar o conflito em Madagáscar.

Joaquim Chissano contou com o apoio de outros quadros da região como são os casos do ex-ministro dos Negócios Estrangeiros moçambicano Leonardo Simão, o ex-primeiro-ministro do reino da Suazilândia Thamba Dlamini e o antigo ministro da Segurança da África do Sul Charles Nqakula, e com o beneplácito do Secretário Executivo da SADC, Tomaz Salomão, entre outras organizações interessadas na resolução do conflito.

Segundo analistas, o acordo foi um mérito para a diplomacia moçambicana, pois não se acreditava que em cerca de quatro dias fosse possível aproximar posições entre políticos profundamente marcados por décadas de divisão, ódio, rancor e sem cultura de diálogo.


RAZÕES DO SUCESSO

Analistas de Relações Internacionais contactados pelo “Notícias” explicam o sucesso da diplomacia moçambicana com um pragmatismo que está intrinsecamente ligado ao facto de o país ter uma política externa que pauta pelo princípio de defesa e primazia da solução negociada dos conflitos, para além de ter lideranças que gozam de prestígio internacional.

“Por exemplo, na defesa do interesse de Moçambique neste sentido estratégico e pragmático, nos aproximamos da Indonésia num momento crucial para os nossos aliados timorenses. Naquela altura fomos mal percebidos, mas é este pragmatismo que nos fez sentir que temos que estar próximos do inimigo do nosso amigo para melhor persuadi-lo. Também fomos mal percebidos quando rubricámos o Acordo de N’komati com o regime do apartheid, mas aquilo foi um pragmatismo muito sério para preservar o interesse nacional”, disse Calton Cadeado, investigador do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CEEI).

A qualidade dos negociadores moçambicanos, reconhecida internacionalmente, também tem jogado a favor da diplomacia moçambicana. O antigo presidente da República, Joaquim Chissano, é frequentemente chamado para representar organismos como as Nações Unidas para actuar como enviado ou negociador.

A procura internacional por Joaquim Chissano – com um palmarés inquestionável nas lides de mediação de conflitos internacionais, não simplesmente pelos números de casos em que esteve envolvido, mas sobretudo pelos resultados alcançados - muito se deve aos métodos por ele primados e que assentam na criação de espaços para que todas as partes de um determinado conflito se sintam equilibradas e com espaço negocial.

Ao actual Chefe do Estado, Armando Guebuza, é também reconhecido o mérito de ter participado no processo de negociação de paz em Roma, Itália, e de ter mantido a continuidade da diplomacia do seu antecessor.

“Não podemos dizer que houve uma ruptura na essência da diplomacia do presidente Chissano com a do Presidente Guebuza. Agora, cada um tem a sua forma de exercer, mas em termos de filosofia parece-me que há muito de semelhante”, disse Calton Cadeado.

Para Edson Muirazeque, docente do Instituto Superior de Relações Internacionais (ISRI), existe uma lógica na continuidade que o actual Chefe do Estado, Armando Guebuza, faz da política externa que era seguida por Joaquim Chissano.

“Penso que não há razões para haver ruptura, porque estamos a falar de líderes que pertencem a um mesmo partido, a Frelimo. Sendo assim, é lógico que os aspectos positivos que foram construídos ao longo da liderança do anterior chefe do Estado sejam continuados e até melhorados. É de facto visível que a política externa moçambicana continua a ser forte como era na anterior liderança”, afirmou Muirazeque.

APETÊNCIA PELO PAÍS

A apetência por Moçambique na busca de soluções de crises pelas partes envolvidas em conflitos também tem a ver com o percurso do próprio país. Depois de um processo negocial que colocou fim a 16 anos de conflito armado, o país não mais retornou à guerra.

“Esse é um dos elementos que faz com que todo o mundo tenha Moçambique como local de referência para se negociar soluções para conflitos, pois aqui existe uma estabilidade política e o povo não quer mais voltar à guerra”, disse Edson Muirazeque.

O docente do ISRI acrescentou que os sucessos que Moçambique tem tido a nível do desenvolvimento económico também têm contribuído para o prestígio que o país goza externamente.

“Todos esses elementos vão contribuindo para que se olhe para Moçambique como um país em que de facto se pode apostar para solicitar o apoio com vista à resolução de problemas em determinados países”, realçou Muirazeque.

Maputo acolheu encontro sobre crise no Zimbabwe
Maputo acolheu encontro sobre crise no Zimbabwe

INTERESSE NACIONAL EM JOGO

A ESTRATÉGIA diplomática de Moçambique não pode ser dissociada dos princípios orientadores da sua política externa, que têm como objectivo último a prossecução do seu interesse nacional. Nos casos vertentes da mediação das crises no Zimbabwe e Madagáscar, o interesse nacional seria a defesa e promoção do prestígio que o país goza internacionalmente.

Para um melhor entendimento da questão, convém fazer uma distinção entre diplomacia e política externa - a primeira é uma dimensão da segunda. A política externa é o conjunto de objectivos políticos que um determinado Estado almeja alcançar nas suas relações com os demais países. Ela é definida em última análise pela Chefia de Governo de um país ou pela alta autoridade política de um sujeito de direito internacional; já a diplomacia pode ser entendida como uma ferramenta dedicada a planejar e executar a política externa, por meio da actuação de diplomatas.

Para o investigador Calton Cadeado, na análise do interesse nacional, “para além da Defesa e Segurança e da questão de promover o desenvolvimento económico e social também pesa muito a questão da defesa e promoção do prestígio internacional”.

Edson Muirazeque também destaca, nesta questão da promoção do prestígio internacional, o facto diplomacia moçambicana ter-se envolvido na busca de soluções para vários conflitos internacionais.

“Na época do apartheid, viu-se que Moçambique, presidido por Samora Machel, foi um dos países que muito pressionou, no âmbito dos países da Linha da Frente, para que fossem erradicadas as políticas raciais discriminatórias daquele país. Mesmo na altura do conflito armado em Moçambique, fomos albergando vários povos da região como, por exemplo, os militantes do ANC, da África do Sul, bem como de outros países”, disse Muirazeque.

O docente do ISRI destaca ainda o facto de Moçambique estar a participar em várias missões de manutenção de paz.

“Já estivemos na Região dos Grandes Lagos (Burundi) e temos estado em muitas frentes internacionais de resolução de conflitos”, afirmou Edson Muirazeque.

PROBLEMAS AFRICANOS SOLUÇÕES AFRICANAS

O envolvimento de Moçambique na busca de soluções pacíficas para as crises no Zimbabwe e Madagáscar também deve ser enquadrado num esforço de fazer valer o princípio de que os problemas africanos têm que ser resolvidos pelos próprios africanos.

Todavia, o investigador Calton Cadeado alerta para o facto de este princípio não vedar a participação de outras partes-chave para a solução das crises.

“Acho que o que pesou mais na escolha de Moçambique para palco da resolução de conflitos no Zimbabwe e Madagáscar é também o princípio de soluções africanas para problemas africanos e o nosso país goza de um prestígio e imparcialidade que conferem maior conforto às partes em crise para poderem se deslocar para aqui”, disse Cadeado. O investigador acrescentou que “o princípio de ‘problemas africanos – soluções africanas, não quer dizer que não devemos contar com a participação dos outros, porque também no caso do conflito em Moçambique a sua resolução contou com a colaboração de países não africanos”.

Edson Muirazeque (C. Bila)
Edson Muirazeque (C. Bila)

GANHOS DO SILÊNCIO

Não raras vezes têm surgido críticas sobre o facto silêncio caracterizar a actuação da diplomacia moçambicana na resolução de conflitos internacionais. Os investigadores entrevistados pelo “Notícias” defendem esta forma de agir considerando-a pragmática.

“Este conceito de diplomacia silenciosa muitas vezes surge porque não há muito espaço de abertura para colocar os assuntos na mediatização como tem acontecido noutros casos. Moçambique não aposta muito no mediatismo e há muitos ganhos que foram conseguidos pela nossa diplomacia ao agir dessa maneira”, disse Calton Cadeado.

O investigador do CEEI acrescenta que “no passado já tivemos uma diplomacia de megafone, quando foi para divulgarmos a causa dos nossos irmãos e amigos do ANC, da África do Sul, e quando foi para fazer barulho em relação ao regime de Ian Smith, na Rodésia do Sul”.

“Isso também aconteceu com as questões da Namíbia e Timor-leste. Foi uma diplomacia de barulho, mas com muito pragmatismo. Hoje já temos mais experiência para poder dizer que conseguimos combinar diferentes formas de fazer a diplomacia e em função dos contextos. Mas, mais do que isso, o pragmatismo é que foi o ponto assente no sentido de fazer mais amigos do que inimigos e de tentar fazer de Moçambique um exemplo a transmitir aos outros países”, afirmou Calton Cadeado.

Edson Muirazeque também defende a diplomacia silenciosa, afirmando que ela é normalmente usada em processos negociais complexos e em tempo de crise.

Estamos a falar de negociações em situação de conflito. Trata-se de uma situação extremamente complexa onde há questões sensíveis que não podem vir a público antes de o processo chegar ao fim. Repare que estamos a falar de crises em que ainda há aspectos antagónicos e aparentemente irreconciliáveis entre as partes”, disse Muirazeque.

O docente do ISRI, acrescentou que acredita que os diplomatas envolvidos nesse tipo de processos negociais “pesam e vêem o que é que deve ser tornado público, porque de contrário o próprio processo pode ficar prejudicado”.

“O que acontece é que a Imprensa quer estar sempre informada e é legítimo que ela queira estar sempre em cima dos acontecimentos. Como é que podemos dizer que a diplomacia silenciosa é não acção, quando esta mesma diplomacia silenciosa levou-nos à assinatura deste acordo de partilha de poder no Zimbabwe?”, questionou Muirazeque.

A fonte acrescentou que o que se pretende com a chamada diplomacia silenciosa é deixar que os próprios actores de uma determinada contenda se entendam.

“Isso quer dizer que os mediadores ou os que estão para ajudar não devem interferir no processo, porque mais do que os mediadores, quem de facto conhece o problema e quem tem a melhor solução são os próprios donos do conflito”, disse Muirazeque.

O docente do ISRI afirmou ainda que não se pode confundir a diplomacia silenciosa com o conceito de diplomacia secreta, dado que esta última busca soluções que não são benéficas e que podem conduzir ao conflito ou à guerra.

Aliás, no seu primeiro dos 14 pontos, apresentados no dia 8 de Janeiro de 1918 ao Congresso dos EUA, o Presidente norte-americano Thomas Woodrow Wilson, defendia o fim da diplomacia secreta, ao afirmar a necessidade de se “inaugurar pactos de paz, depois dos quais não deverá haver acordos diplomáticos secretos, mas sim diplomacia franca e sob os olhos públicos”.

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