quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

SERIA BOM QUE FÔSSEMOS PRODUTORES DE PETRÓLEO

Por PAULO DA CONCEIÇÃO

Maputo, Segunda, 21 de Fevereiro de 2011:: Jornal Notícias

RECENTEMENTE, o Banco Mundial divulgou a conclusão de um levantamento onde nota que o aumento constante dos preços internacionais dos alimentos foi um dos factores responsáveis por levar cerca de 44 milhões de pessoas à situação de pobreza nos países em desenvolvimento desde Junho do ano passado.

As razões deste aumento dos preços são várias, tendo as forças da natureza desempenhado um papel considerável: áreas agrícolas na Austrália e no Paquistão foram inundadas, enquanto que as províncias produtoras de trigo na China estão a passar por uma grande seca.

A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) deu inclusive um alerta especial ao avisar que, se a China tiver que importar trigo terá um gigantesco impacto no comércio mundial, devido à sua numerosa população.

Este cenário agrava-se com intensa especulação que se assiste no mercado internacional de alimentos, onde investidores estão a comprar alimentos básicos e armazená-los para vender quando o momento e o preço estiverem favoráveis, um comércio obscuro que está a causar flutuações imprevisíveis nos preços.

Há também o fenómeno chamado “novas economias emergentes”, como o Brasil, Índia e China, cujas populações, por terem mais dinheiro nos bolsos, passaram a consumir mais alimentos causando um descompasso entre a oferta e a demanda de alimentos no mercado internacional.

Em entrevista ao “Notícias”, cujos extractos passamos a transcrever, o docente das disciplinas de Estudos do Médio Oriente, Teoria de Relações Internacionais e pesquisador no Instituto Superior de Relações Internacionais (ISRI), Edson Muirazeque, analisa o impacto da crise de alimentos e das convulsões políticas no Magreb e Médio Oriente.

NOTÍCIAS (NOT.) – Há receios de que a falta de alimentos pode estimular revoltas populares como aconteceu no Haiti, Indonésia, Camarões e Egipto. Olhando para Moçambique, acha isso possível?

EDSON MUIRAZEQUE (E.M.) – As revoltas geralmente aparecem quando há uma percepção de que eu não tenho porque alguém não está a deixar que eu tenha. Falaria aqui de uma privação relativa, onde às vezes as pessoas se revoltam porque sentem que não estão a ter acesso a algo, porque alguém está a impedi-lo. Então, não acredito que a falta de alimentos em si possa ser a fonte de alguma revolta. Só vai ser motivo de confusão e revolta se o povo perceber que esta falta de alimentos é derivada do facto de algum determinado Governo não estar a fazer o que deveria fazer, aí sim, vai haver revolta.

Mas, de contrário, se o povo perceber que o Governo está a fazer os possíveis para que haja alimentos, não acredito que haja revolta. Se todo o povo perceber que o problema não é por causa do Governo; é um problema que está fora do alcance dos governos, não haverá revolta. Como disse, as revoltas surgem, porque pode haver algum indivíduo que tem problema com alguém e faz agitações. Elas também podem surgir a partir do momento em que o povo meter na cabeça que estamos a ter problemas por causa do Governo.

NOT. – O que o Governo pode fazer para gerir esta situação?

E.M. – O Governo tem que fazer aquilo para que foi eleito. Confiamos no Governo para resolver os nossos problemas. O Governo deve fazer tudo o que estiver ao seu alcance para que saiamos desta situação, mas isso não depende só do Governo, depende também do povo. O Governo deve trabalhar no sentido do povo perceber que, de facto, este Governo está a trabalhar, tomar medidas e acções que façam o moçambicano perceber que, de facto, o Governo está a fazer de tudo para que não tenhamos problemas. Se o Governo fizer isso, por mais fome que tenhamos iremos perceber que, de facto, ele cumpriu com o seu papel.

Infelizmente o Governo está limitado, porque são coisas que estão a acontecer não porque ele quer, são coisas que acontecem fora do seu âmbito de actuação, então, o Governo deve tentar minimizar esses efeitos. O mundo hoje está demasiado interdependente e o que acontece lá fora afecta-nos directamente. O Governo deve tentar evitar que as crises financeira e de alimentos afectem directamente o bolso do moçambicanos.

"REVOLUÇÃO VERDE"

NOT. – A "Revolução Verde" anunciada pelo Presidente Armando Guebuza, pode ser uma saída para Moçambique?

E.M. – Pode ser, aliás, é talvez a única saída que temos. A "revolução verde" pode ser uma saída para nós se, de facto, funcionar, isto é, se aquilo que é o discurso político sobre a "revolução verde" for revertido em acções no terreno. O grande problema é que se anuncia a tal revolução verde, mas no terreno isso não está a acontecer. Há um desencontro entre aquilo que são os objectivos da liderança e aquilo que está a acontecer, de facto, no terreno. Creio que uma "revolução verde entendida como a criação de capacidades para que haja produção e produtividade pode sim ser uma solução para enfrentar os problemas das crise alimentar.

NOT. - Em alguns países africanos, empresas multinacionais estão a adquirir grandes extensões de terras agrícolas, situação que pode levar muitas famílias de baixa renda à fome. Isto já é sintomático em Moçambique?

E.M. – Não sei muito bem, porque não tenho aqui os dados estatísticos sobre como é que está distribuída a terra em Moçambique. Mas, de facto, as multinacionais são empresas investidoras que não estão preocupadas com o povo, mas com o seu próprio lucro. A natureza humana também é assim; eu não estou preocupado contigo, mas sim com o meu bem-estar. Só que o meu bem-estar, às vezes faz com que os outros se beneficiem.

Então, o nosso Governo deve ter atenção em relação a essas multinacionais que quando aparecem dizem querer esta ou aquela área para concessão.

Deve-se estudar porque é que elas querem determinada área; identificar o significado dessa mesma área para a população, vendo em que medida é que isso vai influenciar positiva ou negativamente a vida da população.

As multinacionais aparecem e escolhem os terrenos mais férteis e favoráveis à agricultura. Agora, cabe ao Estado criar condições para que a concessão dessas terras para as multinacionais não seja em detrimento do desenvolvimento das comunidades locais. O grande problema é que em Moçambique a maior parte da população vive da agricultura de subsistência; então quando o Estado rubricar os contratos com as multinacionais deve tomar em atenção ao facto de o povo viver da agricultura, daí ser necessário tomar em atenção as especificidades do local a concessionar.

NOT. – Que espaço de manobra existe para o Governo moçambicano lidar com a crise de alimentos, se considerarmos que a par das questões ambientais como as secas e inundações, há também um aumento da população, da renda e do consumo nos países emergente?

E.M. – A crise é uma questão cíclica. Desde sempre houve crises e esta também vai passar. Se há crise de alimentos é porque há disparidade entre a produção e o aumento da população. Quando há mais gente há mais bocas para alimentar e se a produção não acompanha este aumento de pessoas, então haverá crise.

O que se deve tentar fazer a nível global é garantir que as natalidades não aumentem muito mais que a produção. Acredito que os Estados vão aumentar a produção e em algum momento a crise vai passar. Os Estados devem também tomar em atenção as suas políticas de natalidade, aumentando a produção e a produtividade para que estejam ao mesmo nível com as taxas de nascimento.

DESDOLARIZAR ECONOMIA É DECISÃO SOBERANA

A entrevista com este académico versou-se também sobre as medidas de política monetária que têm vindo a ser tomadas pelo Banco de Moçambique. Procuramos ouvir o comentário sobre o impacto de tais medidas.

Entre estas medidas, encontra-se, por exemplo, o princípio de repatriamento e conversão, para moeda nacional e seu domicílio no sistema financeiro moçambicano, de pelo menos 50 porcento das receitas de exportação. O BM tem também se manifestado preocupado com a dívida externa das empresas privadas, uma vez que na sua óptica, a saída de fundos privados para honrar os compromissos assumidos faz com que o país tenha que transferir para o exterior, em divisas, o valor recebido acrescido de juros, o que obviamente reduz as reservas líquidas disponíveis para satisfazer as necessidades em importações. Nesse contexto, na óptica do BM, deve haver uma selecção criteriosa das empresas que podem ser autorizadas a endividar-se no exterior.

NOT - Será que as medidas para fortalecer o metical e desdolarizar a economia não são contraproducentes?

E.M.: No passado, a economia internacional falava ouro, mas com o surgimento das instituições financeiras multilaterais como o Banco Mundial e o FMI, mudou-se do padrão ouro para o dólar. Mas é preciso ter em conta que o Banco de Moçambique é um banco do povo moçambicano e o grande problema que se ia assistindo é que tudo era feito na base do dólar. Assim, é legítimo que se proíba a fixação dos preços em dólares, porque o povo moçambicano não anda com dólares, ele conhece o metical, para além de que o dólar é muito caro. Pensando como realista, olho para o Estado como uma entidade que é soberana. A soberania reside nisto – temos que usar o metical. Não creio que o Banco de Moçambique esteja a dificultar aos importadores, mas sim fugir àquilo que são as regras tradicionais do funcionamento da economia internacional no sentido de todas as transacções serem feitas na base do dólar.

CONVULSÕES NO MAGREB VÃO REFLECTIR-SE NO PAÍS

O Magreb e o Médio Oriente deparam-se com convulsões políticas e sociais, numa altura em que o preço do petróleo no mercado internacional está próximo dos seus níveis recorde. Moçambique é mero importador de combustíveis, enquanto que parte dos países em que há convulsões são grandes produtores mundiais de petróleo. Perguntamos ao académico sobre os reflexos da situação nas regiões indicadas para o nosso país, ao que respondeu:

E.M.: Quando há uma subida do preço do petróleo quem chora é o povo. Infelizmente, Moçambique é um país que depende das importações do petróleo e é dos mais pobres que existe. Então, havendo uma subida do preço do petróleo no mercado internacional isso vai se repercutir exactamente no bolso do povo. Aparentemente não estamos ligados ao que está a acontecer no Médio Oriente ou no mundo árabe, mas aquela região tem uma particularidade, pois qualquer confusão que exista lá faz com que os seus efeitos se repercutam pelo resto do mundo.

Os países do Magreb e do Médio Oriente estão localizados numa região que alberga algumas das mais importantes rotas comerciais que existem no mundo, pelo que é inevitável que as convulsões nesses países se façam reflectir no bolso dos moçambicanos.

Basta olharmos para os dias 1 e 2 de Setembro passado, que são exactamente exemplos clarividentes de que quando o preço sobe lá fora, nós sofremos, porque sobe o preço de todos os produtos e quem sente é exactamente o cidadão comum.

NOT. - Numa situação dessas que saída existe?

E.M. – O ideal seria que fôssemos produtores de petróleo, mas infelizmente ainda não somos. Hoje, tenta-se falar dos substitutos do petróleo, mas também ainda não os temos e se assim continuar estaremos muito dependentes da evolvente internacional. O grande problema é que para a sua própria sobrevivência como Estado, Moçambique depende da ajuda externa e enquanto continuarmos assim, qualquer problema que houver lá fora fará os seus efeitos se reflectirem aqui.

A solução seria seguirmos aquilo que o Governo do dia diz, que é: “temos que aumentar a produção de alimentos”, mas o problema é que existe uma grande diferença entre a teoria e a prática.

Em relação ao petróleo, está aparentemente a aparecer uma solução que, ao mesmo tempo, pode ser um problema. Fala-se da existência de algum petróleo na Bacia do Rovuma. Se as pesquisas provarem que podemos produzir e comercializar petróleo essa será solução, mas só será solução se na altura em que forem feitos os contratos, de facto, reparem para aquilo que são as necessidades básicas do nosso país.

É preciso evitar-se o que está a acontecer, por exemplo, com o nosso gás, onde apesar de sermos produtores, temos falta de gás. Temos também que encontrar outras soluções alternativas. Hoje fala-se muito da jatropha, se formos capazes, que entremos por aí.

NOT. – Como resultado das convulsões políticas, os países do Magreb e do Médio Oriente irão necessitar de financiamento externo para reestruturar as suas economias. Quais serão os reflexos disso para o nosso país?

E.M. – Os problemas que estão a acontecer no mundo árabe poderão (esperemos que não) fazer com que as contas lá no Banco Mundial e no Fundo Monetário Internacional (FMI), por exemplo, levem a um desvio de alguns recursos que estavam inicialmente destinados a alguns países como Moçambique, para os países que estão agora com convulsões políticas e sociais.

Essa é uma possibilidade que existe num mundo realista; isto é, dependendo dos interesses dos maiores financiadores daquelas instituições pode, de facto, haver um desvio. Por exemplo, no caso do Egipto, o seu maior aliado são os Estados Unidos da América (EUA). Mas os EUA são também um dos maiores financiadores da ajuda externa para Moçambique. Hoje, os americanos ainda não estão claros sobre o que é que vai acontecer no Egipto e terão que continuar a injectar lá muito dinheiro por causa dos seus interesses estratégicos na região. Em algum momento, se chegarem a uma situação em que terão que escolher entre Moçambique e o Egipto, sem dúvidas que aí poderemos sair a perder, porque eles têm maior interesse que aquele país fique seguro e estável, porque é uma rota do comércio; têm um protegido algures naquela região (Israel), e também porque o recurso mais importante para o desenvolvimento industrial (petróleo) encontra-se na sua maior parte naquela região.

No caso do Egipto, alguns críticos o considerariam de “um fantoche americano” naquela região. Sendo assim, creio que algum dinheiro que era drenado para países pobres como Moçambique, poderá ser desviado, em virtude do que está a acontecer naqueles países, porque poderá haver uma necessidade de maior volume de dinheiro para que aqueles países continuem aliados das grandes potências europeias e da América do Norte.

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