terça-feira, 28 de agosto de 2018

EUA de Trump: A Hegemonia em “Queda Livre”


A Teoria de Estabilidade Hegemónica (TEH) defende que a abertura comercial e estabilidade do sistema internacional são dependentes da existência de um Estado hegemónico. O Estado hegemónico promove a estabilidade fomentando o estabelecimento de regimes internacionais que garantam que as expectativas dos diferentes actores do sistema convirjam numa determinada área do sistema internacional. Depois da II Guerra Mundial os EUA desempenharam tal papel ao ter promovido o estabelecimento das Instituições de Bretton Woods. Porém, desde a década de 1970 esta posição de hegemonia tem sido questionada, e a actuação “errática” dos EUA de Donald Trump declarando guerra comercial contra a China e outros Estados coloca o estatuto de potência hegemónica em “queda livre”.

Para ser uma potência hegemónica o Estado deve possuir capacidade e vontade para providenciar liderança no sistema, que se manifesta na promoção de bens públicos internacionais. A estes dois requisitos deve-se acrescer um terceiro, que é o reconhecimento, pelas outras grandes potências do sistema, de que o comportamento e as políticas da hegemonia são benéficos aos seus interesses. Portanto, na ausência de uma potência hegemónica, ou se a hegemonia se encontra em decadência, a TEH prescreve que a abertura comercial e a estabilidade do sistema internacional são mais difíceis de alcançar.

Analisando o caso da ainda considerada potência hegemónica nota-se que, no que diz respeito às capacidades, os EUA continuam a manter, pelo menos em termos absolutos, o estatuto de maior economia mundial. No entanto, a sua posição tem mostrado uma tendência decrescente ao longo do tempo, se comparada com outras potências em ascensão, principalmente a China. Aliás, um dos principais alvos das guerras comerciais é aquele gigante asiático que, por seu turno, ao aumento de tarifas para seus produtos responde também impondo barreiras contra produtos provenientes dos EUA.

As guerras comerciais declaradas pelos EUA têm em vista forçar os outros Estados, a China em particular, a mudar alguns aspectos nas suas políticas comerciais. A expectativa é que a imposição de barreiras estrangule as economias desses países de modo a que façam cedências em função dos interesses norte-americanos. Porém, as dificuldades económicas que se esperam que sejam sentidas nas economias dos atacados podem ser sentidas igualmente nas daqueles que atacam. Aliás, no caso da guerra económica com a China esta tem também imposto medidas retaliatórias proporcionais às dos EUA.

No que diz respeito à vontade, os EUA continuam a mostrar a vontade de providenciar liderança nos grandes assuntos que afectam a estabilidade do sistema internacional. Porém, a demonstração de tal vontade é feita de uma forma “maligna”, no sentido de a hegemonia ser a primeira a violar os acordos por si promovidos e assinados. No âmbito do comércio internacional, por exemplo, os EUA, depois de promoverem a assinatura da Parceria Trans-Pacífica (PTP), Trump recusou-se a ratificar o acordo que previa o livre comércio entre os seus membros. De seguida, os EUA entraram na campanha de guerras comerciais aumentando barreiras comerciais tanto contra adversários como contra inimigos.

Tal como a capacidade, a vontade dos EUA está também a ser questionada e desafiada. No caso da PTP, os outros Estados ao invés de abandonar o acordo decidiram estabelecer um alternativo, mas que contempla a maioria das provisões daquele. Em outros acordos, como o Acordo Nuclear Iraniano, os EUA abandonaram-no e ameaçam qualquer Estado que estabeleça relações comerciais com o Irão. Porém, o “comando de Trump” não foi obedecido nem pelos seus parceiros tradicionais da União Europeia, nem pelos seus adversários do leste europeu ou da Ásia.

Por fim, as guerras comerciais de Trump deitaram para o “caixote de lixo” o nível de reconhecimento que as outras grandes potências do sistema tinham sobre os EUA. De todos os cantos do mundo surgem críticas sobre o cometimento dos EUA aos acordos internacionais. O timoneiro da Casa Branca é visto como sendo tão imprevisível que não se pode confiar para liderar e manter a abertura comercial que é necessária para a estabilidade do sistema internacional. É por essa razão que, por exemplo, os parceiros da UE não só se comprometeram a manter-se no Acordo Nuclear Iraniano, como também estudam formas de proteger as suas empresas das sanções dos EUA. Por outro lado, os adversários chineses não só procuram fortalecer os laços ao nível dos BRICS, como também vão “namorando” os europeus sobre a possibilidade de encontrar novas formas de fazer comércio sem ter de depender dos EUA.


Artigo publicado no Jornal Domingo. Disponivel em http://www.jornaldomingo.co.mz/index.php/internacional/10670-eua-de-trump-a-hegemonia-em-queda-livre

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