segunda-feira, 3 de setembro de 2018

Nações Unidas Dão Nota Positiva ao Irão


A Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA), o braço das Nações Unidas responsável por monitorar as actividades de enriquecimento de urânio do Irão, deu nota positiva ao Irão e afirma que a República Islâmica está a cumprir com as suas obrigações. Num relatório publicado no passado dia 30 de Agosto, a AIEIA confirma que o Irão “manteve os níveis de enriquecimento de urânio” tal como estipulado no Acordo Nuclear assinado em 2015. O ainda engajamento do Irão sobre acordo pode ser lido sob três perspectivas: uma relativa ao próprio Irão, uma relativa aos EUA e uma relativa à comunidade internacional no geral.

O cumprimento do acordo nuclear por parte do Irão pode ser explicado por motivações estratégicas tendentes a retirar o país do “isolamento”. Desde a Revolução Islâmica de 1979 houve sempre a tentativa de o país ser considerado um pária. A conjugação da revolução islâmica, do desenvolvimento do programa nuclear e das acusações de apoiar grupos terroristas levaram ao seu isolamento e, até, à imposição de sanções sobre o país. O Irão chegou mesmo a ser rotulado como sendo do eixo do mal. Portanto, o cumprimento de um acordo que foi promovido pelos EUA e pelas outras grandes potências do sistema internacional não só possibilita a retirada da rotulagem negativa ao país, como também abre espaço para o alívio das sanções económicas.

A subida de Trump ao poder fez, contudo, retroceder as aspirações iranianas referidas no parágrafo anterior. Os EUA não só “rasgaram” o acordo nuclear iraniano, como também re-impuseram as sanções económicas. Porém, os iranianos mantiveram-se firmes no cumprimento do que foi acordado. Esta postura pode ser explicada, por um lado, pela necessidade de o Irão mostrar ao mundo que, afinal, tem vindo a ser “injustiçado” e que o problema no programa nuclear não é o Irão mas sim os EUA. Mantendo-se no acordo o Irão passa a mensagem de que é um fiel cumpridor das normas internacionais. Por outro lado, o Irão aproveita-se dos “desentendimentos” entre as potências ocidentais para poder encontrar parceiros alternativos para a satisfação dos seus interesses. Aliás, os actores da União Europeia já se mostraram favoráveis em continuar a implementar o acordo nuclear mesmo sem os EUA.

Na perspectiva relativa aos EUA, a sua decisão “solitária” em abandonar o acordo nuclear pode ser vista sob duas dimensões. Primeiro, “o tiro saiu pela culatra para a administração Trump”. O actual governo da Casa Branca ainda acreditava que qualquer comando seu o resto do mundo seguiria às cegas. O presidente dos EUA nunca acreditou, e talvez ainda não acredita, que os seus “obedientes” aliados da União Europeia poderiam lhe “abandonar”. A verdade, porém, é que os aliados não só lhe abandonaram como também começam já a “ensaiar” discursos europeístas de segurança. (Voltando a retóricas gaulistas do século passado, o presidente francês disse recentemente que “a Europa não deve depender somente dos EUA para garantir a sua segurança”).

A segunda dimensão desta perspectiva é que o problema da administração Trump pode não estar necessariamente no acordo nuclear mas sim na sua vontade de ver uma mudança de regime no Irão. À excepção dos EUA, todos os outros intervenientes do acordo nuclear mantêm-se firmes na sua implementação. O relatório da AIEA confirma que o Irão não elevou os níveis de enriquecimento de Urânio. A comunidade internacional, no geral, não só apoia o Acordo como também virou as costas aos EUA sobre esta matéria. Portanto, a outra explicação aceitável para esta postura é que a re-imposição das sanções tem em vista desestabilizar economicamente a república islâmica na expectativa de, com as dificuldades económicas, o povo revoltar-se contra o seu governo para forçar uma mudança de regime. A acontecer isso, os EUA não só se “livrariam” de uma “dor de cabeça” de quase três décadas, como também aliviaria os receios de segurança do seu aliado Israel.

A última perspectiva, a da comunidade internacional, consiste em analisar o nível de resiliência dos actores relevantes do sistema internacional. Rebuscando o raciocínio avançado na página Olhando Mundo da edição passada do Jornal Domingo, os contornos da tentativa de desmantelamento do acordo nuclear iraniano são mais um teste ao argumento da teoria de estabilidade hegemónica. Os EUA pretendem impor a sua vontade sobre os outros parceiros signatários do acordo. Os outros parceiros procuram alternativas para minimizar o impacto do unilateralismo dos EUA. Portanto, a redefinição da hegemonia corrente ou definição de uma nova vai depender da resiliência de cada uma das partes em impor a sua vontade sobre os outros no sistema internacional.

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