sexta-feira, 28 de setembro de 2018

O dia que as coreias se reunificarem…


Divididas por interesses exógenos, nos últimos meses as duas coreias têm dominado as manchetes da imprensa internacional. O líder do norte não só predispôs-se a sentar, à mesma mesa, com o presidente dos EUA, seu “maior inimigo”, como também, na sentada, aquele disse estar disposto a desmantelar o seu programa nuclear. Os debates que se seguiram concentraram-se em analisar o alcance das promessas de Kim Jong-un. Porém, importa também fazer uma reflexão sobre as implicações do relaxamento de tensões que se verifica entre as duas Coreias. Poderá o corrente “desanuviamento” corrigir a “injustiça histórica” de a família coreana ter sido separada pelos apetites da ocidentalmente baptizada como “guerra fria”?

O debate em torno do alcance da promessa norte-coreana sobre a desnuclearização é dominado entre os parcialmente optimistas e os detractores do regime norte-coreano. Os parcialmente optimistas acreditam que o regime comunista da Coreia do Norte chegou a um ponto de ebulição, no sentido de que o país está a viver dificuldades económicas que não mais lhe permitem continuar com a sua recorrente postura combativa. Portanto, as promessas de Kim são consideradas uma rendição, um reconhecimento de que ceder às exigências dos EUA é a única via para a sobrevivência do regime e do Estado. Assim, os norte-coreanos acreditam que a desnuclearização abrirá as portas para o levantamento das sanções económicas sobre o país e, com isso, poderão ter acesso ao capital para o desenvolvimento económico. Deste modo, acredita-se que as promessas de Kim são “genuínas”.

Os detractores do regime norte-coreano, por seu turno, não acreditam na sinceridade das promessas. A base do seu argumento é a mesma dos parcialmente optimistas, divergindo com aqueles no resultado que consideram ser o que Kim deseja. Assim, consideram que o discurso de abertura à desnuclearização não passa de uma estratégia não só para garantir que as sanções sejam levantadas, como também para, a partir disto, acelerar, graças aos recursos que poderão ser drenados ao país, ainda mais o desenvolvimento de armas nucleares.

Sejam quais forem as intenções de Kim, o facto é que o relaxamento das tensões entre as partes está a permitir que várias famílias, há décadas separadas, tenham a oportunidade de mais uma vez, talvez a última, se avistarem. Mais do que isso, este desanuviamento remete a uma reflexão em torno das suas implicações nas relações intra-coreanas: será esta uma oportunidade para a reunificação? Estarão as grandes potências interessadas numa Coreia reunificada?

Da parte dos coreanos parece haver clareza sobre a sua vontade de ver o país reunificado. Mesmo ao nível das lideranças essa parece ser também a vontade: o governo do Sul possui um Ministério específico responsável por estudar os caminhos para a reunificação; Kim Jong-un tem dito que o empecilho para a normalização das relações intra-coreanas, e da eventual reunificação, tem sido o facto de o Sul ser subserviente aos EUA.

A reunificação parece não ser vista com “bons olhos” pelas grandes potências. Uma Coreia reunificada pode significar a emergência de uma terceira força no jogo pelo domínio do sistema internacional, se se considerar que os adversários pela hegemonia são os EUA (em declínio) e a China (em ascensão). Dados do Goldman Sachs indicam que uma Coreia reunificada pode ultrapassar o Japão ou a Alemanha em tamanho e influência, países que no ranking das economias mais ricas ocupam o terceiro e quarto lugares, respectivamente. A reunificação significaria a combinação de minerais e mão-de-obra barata em abundância do Norte com a evoluída e já estabelecida, mas importadora de matérias-primas, indústria do Sul. Se à dimensão económica se acrescer a dimensão militar, que inclui armas nucleares, do Norte, ter-se-ia uma grande potência com possibilidades de almejar o estatuto de potência dominante.

Dos cálculos do anterior parágrafo dá para perceber a vontade das grandes potências, especialmente os EUA e a China, não quererem abdicar do “controlo” que exercem sobre as coreias, especialmente a intenção de desnuclearizar a Península. A sua reunificação com as capacidades económicas do Sul e militares do Norte pode “baralhar” o balance of power (equilíbrio de poder) que se verifica no sistema internacional. Aos EUA, que estão empenhados em impedir que a China ou outra potência os suplante no topo da hierarquia de poder no sistema, não interessa ver emergir mais uma “dor de cabeça”. À China, que almeja suplantar os EUA em status no sistema, não interessa ver um concorrente do outro lado da sua fronteira. Estas são algumas contas em jogo para “o dia que as coreias se reunificarem”.

Artigo publicado no Jornal Domingo. Disponível em http://www.jornaldomingo.co.mz/index.php/internacional/10797-o-dia-em-que-as-coreias-se-reunificarem
Artigo Publicado no Jornal Domingo. Disponível em http://www.jornaldomingo.co.mz/index.php/internacional/10797-o-dia-em-que-as-coreias-se-reunificarem

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