sábado, 6 de abril de 2024

África do Sul ganha a primeira batalha, conseguirá “vencer a guerra” contra Israel?

Parte do objectivo primário que precipitou a instauração, pela África do Sul, de um processo contra Israel no Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) foi alcançado com algum sucesso. Embora não tenha anuído ao “pedido urgente” de Pretória para que se ordene que Israel suspenda a sua ofensiva militar nos territórios palestinianos, o tribunal das Nações Unidas ordenou um conjunto de medidas que, se cumpridas por Israel, podem minimizar a carnificina que está a ocorrer em Gaza. O TIJ tomou uma posição intermédia que, ao que parece, “satisfaz” parcialmente as duas partes desavindas. Por um lado, o Tribunal emitiu um conjunto de medidas que Israel deve observar, que a serem cumpridas vão limitar a margem de manobra de Tel Aviv continuar a sua ofensiva militar em Gaza. Por outro lado, o Tribunal não concede ao pedido de Pretória para ordenar um cessar-fogo imediato, o que significa que Israel tem permissão para continuar com a sua ofensiva militar. Com a primeira batalha ganha parcialmente, a África do Sul deve agora concentrar-se em tentar “vencer a difícil guerra” de provar em tribunal que, efectivamente, Israel cometeu o crime de genocídio na sua guerra contra os palestinianos em Gaza.

Há duas semanas a África do Sul intentou, junto do TIJ, uma acusação contra Israel por supostos crimes de genocídio cometidos na campanha militar israelita em resposta ao ataque terrorista do Hamas em Outubro de 2023. A acusação sul-africana estava fundamentada em cinco argumentos que se enquadram na definição de genocídio: o assassinato em massa de palestinianos em Gaza; a imposição de graves danos mentais e corporais por Israel ao povo de Gaza; o deslocamento forçado e bloqueio alimentar contra a população; a destruição do sistema de saúde; e o impedimento de nascimento de palestinianos. Israel havia tentado rebater estes argumentos sustentando que as suas operações militares enquadravam-se no contexto do direito de autodefesa; que a acusação de genocídio era circunstancial; que o Hamas é que devia ser responsabilizado po supostamente usar civis como escudos humanos; que TIJ não tinha jurisdição para se pronunciar sobre o caso; e que não havia fundamentos para sustentar a acusação de Israel impedir o fornecimento de ajuda humanitária.

O tribunal das Nações Unidas chegou a um veredicto na semana passada, pelo menos em termos da emissão de “medidas provisórias” solicitadas por Pretória. A esmagadora maioria dos juízes do TIJ, 15 de um total de 17, parece ter concordado com a maior parte dos argumentos apresentados pela África do Sul e, portanto, o tribunal ordenou um conjunto de medidas provisórias enquanto continuam as diligências de averiguação. Aliás, o tribunal notou que existem evidências suficientes de disputa que justificam a continuação da investigação dos alegados casos de genocídio cometidos por Israel. Sobre a jurisdição do Tribunal, que Israel contestava, o TIJ não só concluiu que pode decidir sobre o assunto, como também indicou que pode, e fez isso, ordenar medidas provisórias.

Essencialmente, o Tribunal ordenou que Israel tome medidas para prevenir actos de genocídio enquanto trava a sua guerra contra o grupo Hamas na Faixa de Gaza, ao mesmo tempo que deve punir qualquer incitamento ao genocídio. Num prazo de um mês, Israel foi ordenado a informar o Tribunal sobre o que está a fazer para cumprir a ordem de tomar todas as medidas ao seu alcance para prevenir actos de genocídio em Gaza. De igual modo, o Tribunal decidiu que Israel deve implementar prontamente medidas “imediatas e eficazes” para garantir a entrega de ajuda humanitária e serviços básicos urgentemente necessários a Gaza.

Apesar da África do Sul ter ganho, parcialmente, esta primeira batalha, a sua “vitória” inicial é ensombrada por uma medida que Pretória solicitou mas que o Tribunal não deu provimento: as medidas provisórias não impõem o cessar-fogo. Duas razões podem ter estado por detrás da não ordenação do cessar-fogo, uma positiva e outra negativa. Na razão positiva, pode ser que os juízes tenham dado provimento ao argumento israelita de as suas operações militares se enquadrarem no direito de autodefesa. Tendo em conta que o Hamas foi o primeiro a infiltrar-se no território israelita, pode ser que os juízes vejam a retaliação como uma acção legítima desde que, como as medidas provisórias prescrevem, o direito de autodefesa não desemboque em genocídio de palestinianos. A razão negativa colocaria nas lições do passado. Depois do início das operações militares da Rússia na Ucrânia, em 2022, o TIJ ordenou um cessar-fogo imediato. No entanto, a Rússia ignorou a ordem e continuou a sua campanha militar. Pode ser que os juízes do Tribunal não queiram passar pelo mesmo “embaraço” de tomar uma decisão em que o visado simplesmente ignora. Aliás, as autoridades israelitas sempre deixaram claro que as operações militares iriam continuar até o alcance dos objectivos traçados.

As medidas provisórias emitidas pelo Tribunal dão à diplomacia sul-africana algum nível de vitória moral, e até legal, já que o TIJ deu provimento à necessidade de continuação de investigações sobre o possível cometimento de genocídio por Israel. No entanto, antevêem-se “duros” tempos, pois a África do Sul terá de convencer os juízes o Tribunal para tentar “vencer a difícil guerra” de provar que, efectivamente, Israel cometeu o crime de genocídio na sua guerra contra os palestinianos em Gaza. 

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