sábado, 6 de abril de 2024

Argentina fora do BRICS – Milei cumpre e descumpre promessa de campanha

 

Numa altura em que muitos países “namoram” a possibilidade de serem aceites como membros do agrupamento BRICS, o novo presidente da Argentina disse não ao convite endereçado pelo grupo de economias consideradas emergentes. Três dias antes da data prevista para adesão ao agrupamento, Javier Milei anunciou formalmente que o seu país não mais se juntaria ao BRICS. Paradoxalmente, na carta enviada aos líderes do BRICS, Milei propôs “intensificar os laços bilaterais” e aumentar “os fluxos comerciais e de investimento” sem se juntar ao grupo. A proposta de Milei é paradoxal porque durante a campanha eleitoral para sua eleição, o novo presidente havia prometido que não manteria relações diplomáticas com países comunistas como o Brasil e a China.

Apesar de aparentar ser um agrupamento apetecível para muitos países considerados em desenvolvimento, o BRICS acaba de sofrer a sua primeira baixa. A Argentina, que em Agosto de 2023 tinha sido anunciada, juntamente com a Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Egipto, Etiópia e Irão, como parte dos novos integrantes do BRICS, descartou a adesão ao grupo. A decisão de desistência surge pela subida ao poder de um novo presidente, Javier Milei, que ao longo da campanha eleitoral já havia anunciado que procuraria um maior alinhamento com o que chamou de “nações livres do Ocidente”, como Israel e os EUA.

BRICS é um termo, em inglês, cunhado a partir das letras iniciais de cinco países, nomeadamente Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. É um grupo de países diferenciados mas que têm algo em comum: a oposição às tendências hegemónicas dos EUA-Ocidente, que tem dominado a ordem económica internacional, e a rejeição ao que consideram tentativa de “ingerência” ocidental nos assuntos internos de outros países. O grupo começou por ser constituído, em 2009, pelos primeiros quatro países. No entanto, talvez procurando ser mais inclusivo em termos continentais, a África do Sul foi convidada a aderir em 2010. A Índia (1), a China (2), o Brasil (7) e a Rússia (9) fazem parte do top 10 dos países mais populosos do mundo, mas também com maior massa territorial, ocupando respectivamente as posições 3, 7, 5 e 1. Os cinco países, juntos, são detentores de cerca de 25% do PIB mundial, 30% da massa territorial, mais de 40% da população e constituem, portanto, o maior mercado consumidor.

As características anunciadas no parágrafo anterior tornam o BRICS num agrupamento apetecível para muitos países considerados em desenvolvimento se tornarem membros. Durante a cimeira de Agosto de 2023 foi anunciado que cerca de 22 países haviam submetido formalmente a sua intenção de se tornarem membros do fórum BRICS. Foi igualmente anunciado que mais de duas dezenas de outros países têm estado a solicitar, informalmente, a possibilidade de serem aceites como membros de pleno direito. Apesar das muitas solicitações, no fim daquela cimeira o BRICS decidiu se expandir convidando seis candidatos para integrarem o grupo – a Arábia Saudita, a Argentina, o Egipto, os Emirados Árabes Unidos, a Etiópia e o Irão.

Sucede, no entanto, que quando a Argentina foi convidada, e aceitou, a integrar o grupo, o país estava num ano eleitoral. O vencedor das eleições presidenciais, o novo presidente Javier Milei, declarou ao longo da sua campanha que não só estaria alinhado com o Ocidente, como também prometeu que cortaria relações diplomáticas com países comunistas, numa referência ao vizinho Brasil e à China. O anúncio do não à adesão ao BRICS é, portanto, um cumprimento e descumprimento de duas promessas eleitorais. Milei cumpre, por um lado, a promessa de estar mais alinhado ao Ocidente ao distanciar-se do BRICS, um grupo que procura uma multipolaridade inclusiva distanciando-se do Ocidente ou criando um espaço alternativo a ele.

O novo presidente argentino descumpre, por outro lado, a promessa eleitoral de cortar relações diplomáticas com os países comunistas, ao ter anunciado que vai procurar “intensificar os laços bilaterais” e aumentar “os fluxos comerciais e de investimento” com os membros do BRICS. Tal como o seu antecessor Alberto Fernández, Milei deve se ter apercebido que não pode cortar relações com os “comunistas”, pois manter relações com eles é uma oportunidade para alcançar novos mercados. É só lembrar que o BRICS representa actualmente cerca de 40% da população mundial e mais de um quarto do PIB mundial. Milei deve ter “caído na real” de que o Brasil e a China, que durante a campanha eleitoral chamava pejorativamente de comunistas, são na verdade os dois maiores parceiros comerciais do país e que, por isso, não tem como cortar relações diplomáticas com eles.

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